segunda-feira, 13 de abril de 2015

Quem disse que a igualdade é boa?

Coluna: Dois minutos de ódio
 
Tome muito cuidado com o que você deseja, porque você pode conseguir!

Esta frase, um ditado popular muito comum, é basicamente a tônica da grande maioria das obras distópicas.

A palavra distopia (às vezes substituída pela expressão anti-utopia) é usada para se referir a um cenário pessimista imaginado para o futuro, uma perspectiva de evolução em que a sociedade ruiu de alguma forma. A própria etimologia da palavra traz em si a ideia de que a distopia é o inverso do que seria uma utopia - um futuro imaginado como perfeito - e que, portanto, se refere a um futuro em que as coisas degringolaram.



Há um leque enorme de estilos e de modelos de sociedades distópicas, com olhares e previsões muito diversos sobre ~o que~ deu errado. Há distopias políticas, étnicas, apocalípticas, religiosas, corporativas, de gênero, etc. Há autores, inclusive, que projetam seus cenários distópicos com modelos diametralmente opostos, o que gera debates, discussões, troca de ideias... e leva o surgimento de mais e mais obras distópicas interessantes e inovadoras, enriquecendo cada vez mais este assunto.



Um grande exemplo disso é a eterna discussão sobre quem estava certo na sua visão distópica do futuro, se era Aldous Huxley no seu Admirável Mundo Novo ou se era George Orwell no seu 1984. Há quem acredite – e eu faço parte deste grupo – que a realidade que vivemos atualmente consegue ser um híbrido, com elementos dos dois cenários imaginados por estes dois gênios, talvez os principais ícones da literatura distópica.

Este é o grande lance das obras distópicas: não há nem certo e nem errado, o importante é chamar atenção para a necessidade de reflexão. E eu tenho certeza de que todos os autores que escreveram as suas ideias de como seria um futuro distópico o fizeram na intenção de dar um alerta e, no fundo, gostariam mesmo era de estar errados quanto às suas previsões.

E é por isso que a palavra distopia é tão simbólica, tão carregada de significado, tão precisa em definir aquilo a que ela se refere. Porque uma distopia não é simplesmente a antítese de uma utopia. Se a utopia define a ideia de que tudo deu certo, a distopia faz mais do que dizer que tudo deu errado. A distopia traz a ideia de um mundo em que uma tentativa de utopia deu errado!

Observando as obras distópicas, tanto os livros, quantos os filmes e todas as outras vertentes, é fácil perceber que há frequentemente uma ideia comum. A ideia de que as coisas se complicaram precisamente por terem a intenção de chegarem à perfeição. Geralmente, uma obra utópica retrata um projeto de sociedade perfeita que deu errado justamente por apostar todas as fichas em uma premissa que não se aplica à realidade.

E é aí que entram as obras que eu quero recomendar hoje, o conto Harrison Bergeron, do autor Vonnegut e a sua adaptação, o filme curta-metragem 2081.



Kurt Vonnegut pode facilmente ser considerado um grande autor distópico. Em diversos trabalhos seus, ele traz ideias de projetos falidos de sociedades futuristas e talvez suas obras mais conhecidas sejam os livros “Matadouro Nº 5” e “Café Da Manhã Dos Campeões”, mas eu ainda acho o conto Harrison Bergeron mais icônico neste aspecto de “tentativa de sociedade perfeita que deu errado”.

Na sociedade retratada no conto Harrison Bergeron, as pessoas são finalmente todas iguais!



A ideia da igualdade entre as pessoas é muito romântica, muito sedutora e quase que unanimemente aceita como uma coisa positiva para a sociedade. Igualdade de gênero, de raça, de idade, de nacionalidade, de orientação sexual, de religião, etc, têm sido bandeiras de uma serie de movimentos sociais e políticos ao longo da história, geralmente pregando as melhores das intenções. E há uma espécie de consenso geral de que a igualdade é uma coisa boa.



“Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.”

Até mesmo aquele velho debate entre igualdade x justiça traz em si a ideia de que, se todo mundo fosse igual, a justiça seria muito mais fácil, muito mais acessível, e a sociedade funcionaria muito melhor. Pois se precisamos tratar os desiguais na medida da sua desigualdade, uma vez que essa desigualdade seja eliminada, acabou o problema, certo?

Bem...

Como uma boa obra distópica deve fazer, este conto de Vonnegut propõe não uma resposta a este questionamento, mas um novo questionamento. Uma espécie de “Pera lá, talvez não seja bem assim, vamos pensar um pouco?”.



No mundo de Harrison Bergeron todas as pessoas são iguais. Não iguais perante Deus ou perante a lei ou perante as outras pessoas. São iguais mesmo. Iguais em todos os aspectos. Não há ninguém que seja mais rico, mais forte, mais inteligente, mais bonito, mais habilidoso... São todos iguais e pronto.

Isso seria um ótimo exemplo de utopia, né? Uma sociedade em que todo mundo seja igual, sem distinção física nem intelectual, sem segregação, sem discriminação, sem injustiça... Que coisa boa! Mas pera lá, esta coluna é sobre distopias, então...

Relembrando o ditado popular lá do início... “Tome muito cuidado com o que você deseja, porque você pode conseguir!

Eu bem que poderia tentar dizer aqui porque esta ideia de igualdade absoluta pode não ser tão boa assim, mas vou deixar o mestre Vonnegut falar por mim!



Sim, o curta-metragem está inteirinho disponível no youtube, com legendas em português e tudo mais, olha só! Vale a pena investir vinte e seis minutinhos da sua vida para assistir este filme e depois muitos outros minutinhos refletindo sobre essa ideia genial de Kurt Vonnegut!

PS: Vejam o filme, leiam o conto, pesquisem o autor, reflitam um pouquinho e depois voltem aqui pra trocarmos umas ideias lá nos comentários que eu vou adorar!

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