por Clarita Salgado
twitter: @claritasalgado
instagram: @clarita.salgado
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Coluna: Dois minutos de ódio
“Tome
muito cuidado com o que você deseja, porque você pode conseguir!”
Esta frase, um ditado popular muito
comum, é basicamente a tônica da grande maioria das obras distópicas.
A palavra distopia (às vezes substituída
pela expressão anti-utopia) é usada para se referir a um cenário pessimista
imaginado para o futuro, uma perspectiva de evolução em que a sociedade ruiu de
alguma forma. A própria etimologia da palavra traz em si a ideia de que a
distopia é o inverso do que seria uma utopia - um futuro imaginado como
perfeito - e que, portanto, se refere a um futuro em que as coisas
degringolaram.
Há um leque enorme de estilos e de
modelos de sociedades distópicas, com olhares e previsões muito diversos sobre
~o que~ deu errado. Há distopias políticas, étnicas, apocalípticas, religiosas,
corporativas, de gênero, etc. Há autores, inclusive, que projetam seus cenários
distópicos com modelos diametralmente opostos, o que gera debates, discussões,
troca de ideias... e leva o surgimento de mais e mais obras distópicas
interessantes e inovadoras, enriquecendo cada vez mais este assunto.
Um grande exemplo disso é a eterna
discussão sobre quem estava certo na sua visão distópica do futuro, se era
Aldous Huxley no seu Admirável Mundo Novo ou se era George Orwell no seu 1984. Há
quem acredite – e eu faço parte deste grupo – que a realidade que vivemos atualmente
consegue ser um híbrido, com elementos dos dois cenários imaginados por estes
dois gênios, talvez os principais ícones da literatura distópica.
Este é o grande lance das obras
distópicas: não há nem certo e nem errado, o importante é chamar atenção para a
necessidade de reflexão. E eu tenho certeza de que todos os autores que
escreveram as suas ideias de como seria um futuro distópico o fizeram na
intenção de dar um alerta e, no fundo, gostariam mesmo era de estar errados
quanto às suas previsões.
E é por isso que a palavra distopia é
tão simbólica, tão carregada de significado, tão precisa em definir aquilo a
que ela se refere. Porque uma distopia não é simplesmente a antítese de uma
utopia. Se a utopia define a ideia de que tudo deu certo, a distopia faz mais
do que dizer que tudo deu errado. A distopia traz a ideia de um mundo em que uma
tentativa de utopia deu errado!
Observando as obras distópicas, tanto os
livros, quantos os filmes e todas as outras vertentes, é fácil perceber que há
frequentemente uma ideia comum. A ideia de que as coisas se complicaram
precisamente por terem a intenção de chegarem à perfeição. Geralmente, uma obra
utópica retrata um projeto de sociedade perfeita que deu errado justamente por
apostar todas as fichas em uma premissa que não se aplica à realidade.
E é aí que entram as obras que eu quero
recomendar hoje, o conto Harrison Bergeron, do autor Vonnegut e a sua
adaptação, o filme curta-metragem 2081.
Kurt Vonnegut pode facilmente ser
considerado um grande autor distópico. Em diversos trabalhos seus, ele traz
ideias de projetos falidos de sociedades futuristas e talvez suas obras mais
conhecidas sejam os livros “Matadouro Nº 5” e “Café Da Manhã Dos Campeões”, mas
eu ainda acho o conto Harrison Bergeron mais icônico neste aspecto de
“tentativa de sociedade perfeita que deu errado”.
Na sociedade retratada no conto Harrison
Bergeron, as pessoas são finalmente todas iguais!
A ideia da igualdade entre as pessoas é
muito romântica, muito sedutora e quase que unanimemente aceita como uma coisa
positiva para a sociedade. Igualdade de gênero, de raça, de idade, de
nacionalidade, de orientação sexual, de religião, etc, têm sido bandeiras de
uma serie de movimentos sociais e políticos ao longo da história, geralmente
pregando as melhores das intenções. E há uma espécie de consenso geral de que a
igualdade é uma coisa boa.
“Devemos tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua
desigualdade.”
Até mesmo aquele velho debate entre
igualdade x justiça traz em si a ideia de que, se todo mundo fosse igual, a
justiça seria muito mais fácil, muito mais acessível, e a sociedade funcionaria
muito melhor. Pois se precisamos tratar os desiguais na medida da sua
desigualdade, uma vez que essa desigualdade seja eliminada, acabou o problema,
certo?
Bem...
Como uma boa obra distópica deve fazer, este
conto de Vonnegut propõe não uma resposta a este questionamento, mas um novo
questionamento. Uma espécie de “Pera lá, talvez não seja bem assim, vamos
pensar um pouco?”.
No mundo de Harrison Bergeron todas as
pessoas são iguais. Não iguais perante Deus ou perante a lei ou perante as
outras pessoas. São iguais mesmo. Iguais em todos os aspectos. Não há ninguém
que seja mais rico, mais forte, mais inteligente, mais bonito, mais habilidoso...
São todos iguais e pronto.
Isso seria um ótimo exemplo de utopia,
né? Uma sociedade em que todo mundo seja igual, sem distinção física nem
intelectual, sem segregação, sem discriminação, sem injustiça... Que coisa boa!
Mas pera lá, esta coluna é sobre distopias, então...
Relembrando o ditado popular lá do
início... “Tome muito cuidado com o que
você deseja, porque você pode conseguir!”
Eu bem que poderia tentar dizer aqui
porque esta ideia de igualdade absoluta pode não ser tão boa assim, mas vou
deixar o mestre Vonnegut falar por mim!
Sim, o curta-metragem está inteirinho
disponível no youtube, com legendas em português e tudo mais, olha só! Vale a
pena investir vinte e seis minutinhos da sua vida para assistir este filme e
depois muitos outros minutinhos refletindo sobre essa ideia genial de Kurt
Vonnegut!
PS: Vejam o filme, leiam o conto,
pesquisem o autor, reflitam um pouquinho e depois voltem aqui pra trocarmos
umas ideias lá nos comentários que eu vou adorar!
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