por Alex Costa - Facebook
coluna: Em cada canto um conto
“Mamãe,
Foi
me dado o direito de escrever uma carta – a derradeira – e eu não poderia
dedicá-la a outra pessoa se não a que me carregou, ainda na sua quase
adolescência, por nove meses, cuidou de mim incansavelmente por vinte e um anos
e que agora, decerto, levará a saudade do filho pelos anos que lhe resta. Deus
veio me visitar hoje, mãe. Disse que lá de cima assistiu a tudo, tudo que se
passou desde que começaram meus conflitos, minhas crises mais terríveis, minhas noites mais mal dormidas e disse ainda que contou também cada lágrima que
molhou meu travesseiro.
Chegou
pedindo desculpas, mãe, desculpas por tudo o que os homens me fizeram, por
todas as vezes que voltei para casa assustado com o fogo do inferno - caso eu
não me ‘endireitasse’; desculpa por todos os julgamentos que exerceram sobre
mim, por todas as pedras que me lançaram pelas vias que caminhei, por todos os
dedos apontados no meio da minha enorme confusão juvenil. Deus não tem
preconceito, mãe. O medo, mãe, o medo nunca me fez recuar frente ao pecado, o
medo quando se mistura ao desejo carnal parece que cria uma vontade ainda maior
pelo ato. O medo que me imputaram nunca me impediu de provar as bebidas que
provei, deitar nas camas que deitei, fazer tudo que fiz. Eles nunca entenderam
que necessário mesmo é que haja um encontro com o verdadeiro Amor, não um
relacionamento construído a partir do medo.
Não
é fácil, mãe, não é fácil lutar contra aquilo que está dentro de nós há tanto
tempo e nós não compreendemos. Procuramos uma resposta, uma saída, uma válvula
de escape – mas não há. O que há, se bem repararmos, é um desentendimento mútuo
entre os conselhos que nos dão e a realidade que nos cerca. Deus estava a me
observar esse tempo todo, mãe, e também chorou quando eu chorei, chorou quando
eu falhei, chorou quando ocupei lugares imundos e deixei tocarem no meu corpo,
chorou quando eu disse não a Ele. Deus chora, mãe.
Ele
é tão simples, tão manso, nem parece com os homens que tão mal O interpretam.
Deitei minha cabeça em Seu colo, senti tudo ao meu redor ganhar vida, senti meu
coração bater mais forte e uma vontade imensa de rir, Ele riu comigo. Deus é
simpático, mãe. Ele afagou meus cabelos e disse: “filho, onde te dói?”, e eu
quis olhar para Ele, meio espantado, pois, sendo Deus, Ele não deveria já saber
onde doía? Mas Ele passou a mão sobre o meu peito e eu senti conforto, e Ele
pediu: “fala com tua boca, filho, quero mesmo é ouvir tua voz”. Deus é
sensível, mãe. Contei para Ele tudo que fiz de errado na vida e, mesmo sabendo
de cada detalhe do que eu narrava, ouviu tudo em silêncio. Eu nunca me senti
tão íntimo de alguém em toda a minha vida.
Eu
nunca entendi porque Deus permite tanta mazela no mundo, mãe, tanta criança
faminta, tantas famílias destruídas pelas drogas, tantos crimes terríveis,
tanto ódio nos corações dos homens, tanta guerra e pouca paz; mas, será mesmo
Deus que permite isso tudo ou o homem violento e sem temor que assim o prefere?
A tarde era curta e eu sabia que não havia tempo o suficiente para tantas
interrogações. Deus é bom, mãe.
Dizer
que era errado apenas, mãe, nunca me convenceu de fato, embora eu sentisse que
não queria aquilo fazendo parte de mim. Eu nunca pedi que me aceitassem como
era, apenas que tentassem me ouvir, me compreender, nunca consegui. Tratavam o
problema como algo muito simples, queriam oferecer-me uma fórmula, uma cura, e
diziam: “é fácil, tão somente faz o que estamos dizendo, cara”, eles mesmos
sabiam que não era assim.
Quando
eu me lembrei de tudo, chorei. Quando me lembrei de todas as vezes em que chutei o
pau da barraca e fui ao mundo, novamente ser escravo daquilo que se tornou meu
vício e nem sequer me dava mais prazer. Ele enxugou gentilmente minhas
lágrimas, também chorava, e apenas disse: “eu estava no controle de tudo,
filho”. Deus é mistério também, mãe. Ele ainda afagava meus cabelos, mas
levantou-se e repousou minha cabeça no meu travesseiro. Ele foi até a janela e
respirou fundo, olhou o horizonte que Ele mesmo criou, meu quarto parecia
completamente outro, Deus estava ali. E as pessoas lá fora, será que viam a
Deus?
Foi
quando Ele se aproximou novamente, sentei-me à beirada da cama e Ele sentou ao
meu lado. Pegou em minhas mãos, Seu toque foi tão suave! Deus toca na gente,
mãe. “Deus, eu confesso que não suporto mais, o fardo é pesado, as tribulações
são muitas e acho que não vou conseguir”, eu disse. “Nenhum fardo que te
permito tu não podes suportar, filho. Talvez estejas cansado, compreendo”, Ele
respondeu. Deus é compreensível, mãe. “Filho, entretanto, tenho um convite a te
fazer hoje”, eu olhei para Ele quase sem ar, mãe, coração em ás de sair pela
boca. “Fala, Senhor, estou te ouvindo”.
Ele sorriu, enxugou
uns resquícios de lágrimas que ainda estavam em meus olhos e perguntou: “Queres
vir comigo ainda hoje para junto de mim? Digo, morar comigo em minha morada?”,
foi feito o convite. Pulei de alegria, mãe. Era Deus sorridente me convidando
para estar junto a Ele por toda uma eternidade, aceitei sem delongas. Foi então
quando Ele disse: “apressa-te, escreve à tua mãe que agora trabalha, mas escreve
somente a ela, despede-te”. Enquanto eu escrevia esta carta, Deus apanhou minha
bíblia que estava há tempos guardada na gavetinha da cômoda e começou a
folheá-la. Deus leu minha bíblia, mãe.
Este é um presente de Deus à senhora, mãe, a possibilidade de uma
despedida e um conforto, pois tanto pedi que Ele me concedeu o prazer de morar
com Ele no céu, na luz.”
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