sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Rita no pomar ou quando o menos é mais

por Carlos Vazconcelos



O bom narrador nem sempre é aquele afeito a grandes lances no enredo, arroubos de imaginação, tramas superpostas e personagens a granel, mas aquele que sutilmente convence o leitor, sem levantar a voz, sem lhe puxar as orelhas nem lhe pisar os calos. Flaubert afirmava que gostaria de “fazer um livro sobre nada, um livro sem amarra exterior, que não teria quase tema, ou pelo menos em que o tema fosse quase invisível, porque as obras mais belas são as que têm menos matéria”. E vaticinou: “Eu creio que o futuro da Arte está nestes caminhos. Eu a vejo, à medida que ela cresce, tornando-se tão etérea quanto é possível.” Rinaldo de Fernandes é dessa estirpe. Não grita o que narra, sua dicção é moderada, ganha o leitor por pontos, não por nocaute. No romance Rita no pomar (7Letras, 2008), o que ele dá ao leitor é uma noz. O leitor a examina, gira-a na mão, cheira, agita, quando não encontra mais segredos resolve parti-la, e acha no cerne a polpa macia, suculenta, que justifica a dureza da casca.
O romance Rita no Pomar faz valer a opinião de Vargas Llosa, de que “em um romance, os temas em si nada pressupõem, pois serão bons ou ruins, atraentes ou enfadonhos, exclusivamente em função do que faça com eles o escritor ao convertê-lo em uma realidade de palavras organizadas segundo uma certa ordem.” Deduza-se daí a velha lição machadiana, de fazer mais com menos, de travestir de simplório o contundente. Em tom coloquial, Rita vai se confessando ao cachorro Pet e o livro é todo esse “esdrúxulo monólogo a dois”, como bem o disse o crítico Silviano Santiago. A maior parte da narrativa se passa na Praia do Pomar, mas a praia de Rita não é solar, é sombria, anuviada, pois traduz o ambiente interior da personagem.
Em noventa páginas, a narrativa vai sendo mastigada, ruminada, mastigada, até o arremate. Rita parece ter saído do poema “Consolo na Praia”, de Drummond: “O primeiro amor passou, o segundo amor passou... perdeste o melhor amigo, mas tens um cão. Tudo somado, deverias precipitar-te, de vez, nas águas”. Mas Rita não fará isso e se o fizesse eu não diria. Não gosto de resenhas que fornecem o chamados spoiler. Melhor não desvelar o mistério do texto. Por isso não vou aqui quebrar a noz, roubando do leitor o prazer da descoberta. O que quero mostrar é que Rinaldo conduz a narrativa com mestria, sabe segurar o leitor, sabe cansá-lo num prosaísmo repetitivo e proposital que beira o ramerrão, mas em nenhum momento concede a esse mesmo leitor o direito de abandonar o livro. Há um quê de hipnose no narrador por excelência, há o espírito de Sherazade. E o leitor se transmuta em sultão.
Rita fala muito, ri, se aborrece, atira trechos soltos no papel, encontra no cachorro Pet a companhia fiel (como finou-se Rex? dizem-no as entrelinhas? mistério sugerido?). O leitor vai percebendo que o estado de Rita é patológico, uma calma aflita, uma obsessão medida, uma agressividade contida pronta para eclodir. Resignara-se a viver por vingança e há muito perdeu a fé no homem. Seu humor é instável, sua única companhia é Pet, sua única saída é não ter saída alguma.

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