segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Júlia

por CA Ribeiro Neto - Twitter




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Júlia tem sete anos e uma criatividade singular. A mãe adora escutar e imaginar suas histórias – as mais surpreendentes são publicadas nas redes sociais. Amigos imaginários, respostas incríveis, olhares curiosos e, principalmente, contação de histórias que com certeza ela não viveu. Sua mãe, Edna, sempre visualizou essas manifestações dela como normal da idade e uma potencial mente criativa e empreendedora a ser bem trabalhada. 

De uns tempos para cá, a nova brincadeira é ficar de pé, no quarto, pulando com os braços para cima e rindo, rindo muito. A mãe olha de longe, acha engraçado e continua o preparo do almoço. 

Depois de um tempo, Júlia corre até Edna, pedindo água. Ao entregar o copo de alumínio, esta percebe que as mãos da filha estão sujas, dum escuro esquisito, como se ela tivesse pegado em cinzas ou em barro escuro.

- Filha, onde você sujou suas mãos? 
- Ah, eu tava brincando de pega-pega. 
- Com quem, se só estamos nós duas em casa? 
- Com o meu amigo, mãe! 
- Mas... vá lavar as mãos e não se suje mais! – disse a mãe, desconsiderando a criatividade maluca da filha, pela pressa dos afazeres domésticos. 

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Júlia lava as mãos e volta pro quarto. De longe, Edna observa a filha brincando com seus brinquedos. Ao mesmo tempo, parece que ela está conversando com alguém. Cortando tomates, a mãe se dedica a escutar o diálogo que a menina está desenvolvendo com seu amigo imaginário.

- Não quero mais brincar de pega-pega. 
... 
- Não vou. Mamãe não quer mais que eu me suje. 
... 
- Não! Para! Você tá chato! 
... 
- AAAAHHHHH! – e começa a chorar. 

Edna corre para acudir a filha. No braço direito da menina, uma marca roxa de uma mão monstruosa e, na palma da mão, um corte fino vertendo sangue e sujo. 

- Quem fez isso, minha filha? 
- Foi o meu amigo – aos prantos, a menina responde e aponta para o teto. 

Quando Edna olha para cima, sem acreditar no que vê, grita o mais alto que pode, pega Júlia nos braços e sai correndo da casa. 

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No teto de gesso, várias marcas de pisadas diabólicas. As marcas vão por todo o quarto, com grande acentuação em cima da cama onde Edna pensa que Júlia dorme à noite.

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