sábado, 7 de janeiro de 2017

A primeira farinhada de maio

por CA Ribeiro Neto - Twitter




[ | ]


Choveu dia 19 de março – Viva São José! –, a colheita da mandioca vingou e em meados de maio foi anunciada a primeira farinhada. Seu Malaquias convocou amigos e amigas da região, que fizeram cotinha para comprar cachaças e um carneiro para passarem bem a noite: com direito a churrasco, guisado e sarapatel.

Antes de irem pro roçado, todos tomaram o caldo forte do guisado e depois partiram para desenterrar as raízes da matéria-prima da noite. As mulheres continuaram na preparação dos quitutes e, com elas, o cego sanfoneiro Alípio Nunes começou a brincar com a sanfona.

As crianças também foram divididas por sexo, os meninos ajudavam a pré-limpar as mandiocas, enquanto as meninas auxiliavam mães e tias. Como há de ser sempre, cavalos, mulas e burros convivem harmoniosamente dividindo pasto, enquanto cachorros colados brigam, brincam e se amam.

Pedro, filho de José de Moura, já está enrabichado pela Laura faz é tempo e, como não é muito de ir pra missa, viu na farinhada uma oportunidade de se chegar. Já a moça, que jura querer virar freira, na verdade, há muito que namora escondida o Flavinho, coroinha e professor de catecismo da paróquia.

Com a chegada da mandioca, Pedro foi até Laura, que estava lavando louça, e pediu um pouco de sabão para se limpar da terra. Ele chegou já se roçando, sem camisa, todo suado e achou que isso iria demonstrar virilidade. Contudo, na verdade, ela o empurrou, achando um nojo aquela aproximação. Ele saiu de tempo, desconversou, riu da situação e bateu em retirada estratégica.

Com o pôr do sol, começou a farinhada pra valer. Todos de faca nas mãos, a descascar mandioca, enquanto o forró esquentou com Alípio Nunes, agora acompanhado da sanfoninha de 4 baixos do seu filho Alípio Júnior, de 7 anos, alcunhado pelo pai de ‘O menor sanfoneiro do Brasil’.

O rodízio com as facas era intenso: todos tinham que descascar, mas também constantemente se levantavam para abastecer o bucho, tomar uma dose e dançar um xote bem coladinho.

Laura já havia dançado com seus primos e seu pai, quando Pedro a convidou para o arrasta-pé. Ela olha bem para a cara dele, fazendo uma leitura completa do rapaz e toma sua decisão: “Vamos”!

Um braço dele nas costas dela, um braço dela no ombro dele, os outros dois braços, ao invés de esticados, entrelaçados e perto dos rostos dos dois. Em mais uma investida, Pedro acocha mais o abraço; a moça aproxima sua boca do ouvido do jovem e diz: “Aproveita, que esta dança é tudo e a única coisa que você terá comigo.”

Ela decidiu que o Flavinho valia a pena.

Um comentário:

Hermes de Sousa Veras disse...

Gostei bastante, clima de interior e deixa claro que tem muita coisa não-escrita que tá acontecendo nesse exato momento.