Finalmente,
decidi sair da toca e vim à festa na casa de uns amigos. O som alto tocando uma
música dos anos ’90 e eu pensando que minha vida poderia ser como uma baladinha
romântica.
Assim
que atravesso a porta de entrada e paro no centro da sala, ele é a primeira
pessoa que vejo, óbvio. Não é uma surpresa que esteja aqui, afinal, temos os
mesmos amigos. No entanto, preferia que ele não tivesse vindo. Ou, pra ser mais
sincera, eu preferia ter ficado em casa. Vim porque cedi ao constante assédio do
pessoal que sempre reclama que “não me vê há séculos”.
Não
fosse o suficiente encontrá-lo, vejo que ele está conversando com uma moça. Ri
de tudo o qu’ela fala e toca no braço dela com muito carinho. Provavelmente, é
a sua nova namorada [nova]. Ela, muito mais jovem do que eu, e de acordo com a
minha baixa autoestima, muito mais bonita.
E eu
lá, sozinha, como tem sido desde o dia qu’ele atravessou a porta do nosso – e,
agora, só meu – apartamento e nunca mais voltou.
[“Dear, I fear we're facing a
problem...”]
Por
acaso ele olha para o lado e me vê. Diz algo para ela e afasta-se. Vem em minha
direção. Sei que vem falar comigo. Com certeza, para mostrar que tudo foi
superado, que podemos “agir civilizadamente” quando nos encontrarmos por aí.
Ainda olhei em volta, na tentativa de encontrar alguém que me tirasse dali. Não
vi ninguém conhecido. Não deu tempo de fugir. Então, fico parada feito uma
estaca no meio da sala.
Pensei
em fingir que parara ali para dançar. Comecei a me mexer lentamente e a
solfejar a música que tocava, e desejei desesperadamente uma bebida. Qualquer
uma! Só precisava agarrar algo para esconder o tremor das minhas mãos!! Estava nervosa.
[“So I cry and I pray and I beg...”]
Ele
chegou e parou diante de mim.
Olhei para ele e respirei fundo.
Esperei que falasse primeiro. Não quis mostrar desespero.
- Oi! – disse e me deu aquele sorriso radiante capaz de derreter uma
geleira.
- Oi. – respondi tentando ser displicente.
No
entanto, dentro de mim, há um vendaval, um terremoto, um tsunami de emoções,
sentimentos e lembranças. Tudo acontecendo ao mesmo tempo.
Já
faz um tempo que nos separamos, mas ainda hoje, qualquer situação é motivo para
lembrar dele, lembrar de nós. As coisas pareciam mais leves, mais gostosas,
mais verdadeiras quando estávamos juntos.
-
Que bom que veio! – ele disse ainda sorrindo.
-
É. – respondi sem empolgação. E para alguém mais atento, com uma nota de
arrependimento.
-
Pensei em te ligar dia desses. Queria tirar uma dúvida.
-
E por que não ligou?
-
Não tinha certeza se você atenderia.
-
Seria possível mesmo. ‘Cê sabe que não atendo número desconhecido, né? – disse
isso e completei. - É que não tenho mais o seu número no meu celular. – quis
parecer fria.
Vi
qu’ele ficou desconcertado e pensei em corrigir, inventar algo e completar com
“mudei de aparelho” ou “a geringonça do meu celular apagou todos os contatos”,
mas me mantive forte.
[“Love me. Love me...”]
Tolice!
O qu’eu realmente queria dizer era que, mesmo deletado da lista de contatos do
meu celular, o número dele está gravado na minha mente. Na minha alma!! Posso
dizê-lo de trás pra frente sem titubear.
-
Mas por que queria falar comigo? – continuei.
[“Say that You Love me...”]
-
Era só uma dúvida besta sobre aquela série que você gosta. Aquela qu’é a sua
preferida.
Dúvida
sobre série??!! Sério??!! Ele poderia ter tirado essa dúvida no Google! Ou,
pesquisar no quinto dos infernos!! Ia me ligar pra isso??!!
No
entanto, antes de dizer qualquer coisa que pudesse me arrepender, penso melhor
e, então, me agarro a esse momento como se fosse algo real e possível. Algo só
nosso. Como se fosse a resposta sobre o Universo e dissesse tudo sobre tudo. O
tão procurado “valor de X”!!
Empertigo-me
toda e dou uma palestra sobre a série. Quero a atenção dele. Quero que fique
aqui, perto de mim. “Deixa aquela lá, bem longe de nós”, penso isso enquanto
falo. “Por favor, me interrompe a qualquer momento e diz que quer voltar!”,
desejo com todas as minhas forças.
Deveria
manter a conversa sobre a série. Estava funcionando, tinha ele ali, só pra mim.
Toda atenção voltada para as bobagens qu’eu explicava, mas havia uma pergunta
mais importante para fazer. Não deveria fazê-la, sabia que não, mas precisava!!
Por fim, decidi não perguntar...
Não
perguntaria s’eu tivesse algum controle sobre os meus sentimentos!! Como sou
tola!
Engasguei,
segurei, tentei engolir, mas, mais forte que eu, ela – a pergunta – saiu aos
borbotões:
-
Elaéasuanamorada? – num fôlego só. Foi. Feito! Sem volta.
Apontei
com o queixo para a garota do outro lado da sala, caso não tivesse ficado claro
sobre quem eu falava.
[“Lately I have desperately pondered...”]
Ele
me olha profundamente como se descortinasse todos os meus segredos... Fica em
silêncio por um tempo que me pareceu eterno e calmamente responde:
-
Não quero falar da minha vida pessoal.
-
Hum. É... Bom... Tem razão. – tento mudar de assunto – Oh, ‘cabei de chegar e
ainda nem falei com o pessoal. – dei um sorriso sem graça. - Nos falamos mais
tarde, ‘tá?
-
Você entende, né? – ele pergunta com um ar condescendente.
- Claro, claro! Licença!
[“I don't care if you really care...”]
Saí
de perto dele praticamente correndo, atravessando a sala, o corredor,
esbarrando em quem estivesse pela frente, ignorando um aceno de uma amiga.
Entro no banheiro. Um refúgio!
A
dor rasga tudo dentro de mim. As lágrimas arrebentam as
comportas do amor próprio e deságuam sobre o meu rosto.
Choro
e, junto com as lágrimas, percebo que esvai também o meu orgulho e a minha
dignidade.
O
som alto da música abafa meu choro fino e constante.
“Pior do que estar preso a um relacionamento
complicado é estar preso a um relacionamento que já acabou.”, minha mãe sempre
dizia isso. Na verdade, ela falava para si. Meu pai não foi um exemplo de
marido. Deveria ter aprendido essa lição.
Difícil
é entender o que isso realmente significa. Acho qu’é preciso viver. Cada um tem
o seu fardo para carregar e só aprende com as experiências próprias.
Fico
sentada na privada por um tempo. Penso em tudo e em nada. Perdi as contas de
quantas vezes respondi “Tem gente!” para as batidas na porta.
Por
fim, levanto-me, olho no espelho e vejo a imagem da derrota. Penso que devo
mudar, que assim do jeito que ‘tou, só tenho a perder. Então, enxugo as
lágrimas. Refaço a maquiagem. Respiro fundo e me preparo para sair dali.
Aperto
o meu cardigan contra o corpo para me sentir protegida.
[“Leave me, leave me...”]
Tem
uma festa lá fora para curtir. Tem amigos para abraçar. Ele precisa ver que
‘tou bem! Que consigo seguir sem ele. Que sou uma pessoa feliz mesmo sozinha.
Aliás, principalmente, sem ele.
E
eu sei que s’eu conseguir ser forte e me mostrar forte, ele vai se arrepender e
voltar pra mim. Eu sinto isso!!
Eu
vi como ele sorriu para mim. Se duvidar, ainda hoje eu o reconquisto!
[“Fool me. Fool me”]
2 comentários:
Existem emoções que simplesmente mostram que estamos vivos. Paixão, vivida ou reprimida, certamente é uma delas.
Gostei do texto. Bem escrito. Também gostei da técnica da música, identifico-me com ela. Achei interessante o uso dos colchetes. Quando a usei foi sem colchetes. O eu-lírico feminino também foi de destacar. Finalmente, parece ser um bom texto introdutório, digo, para uma continuação. Abraços!
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