quarta-feira, 11 de março de 2015

Neuroses modernas

por FA Oliveira
Coluna: Guia de bolso dos desconfortos do dia a dia


Sabe quando você tem um problema? Não é um grande problema, muito menos um problema grande. Não é um problema inédito, muito menos dramático, é somente um problema. E vem sendo repetido constantemente, mesmo você já tendo procurado profissionais do ramo da medicina moderna para saber o que é esse problema.

Talvez o problema seja a soma de vários problemas. Digo, nos deparamos com situações comuns, onde não são necessariamente fáceis. Você mente para si mesmo que num futuro isso vai mudar, mas a verdade é que não vai. Sua carreira vai mal, você discute constantemente com sua namorada, não sai com seus amigos pra jogar uma pelada e xingar os amigos que não foram (logo, você é o xingado), ou a garota que você queria não deu bola. Achamos que não somos bons o suficiente para diversas situações. Não vamos conseguir pagar a dívida que está pendurada já há 8 meses (nem mesmo você se prostituindo para senhoras de idade) que não vai conseguir falar com a garota e nem conseguir o emprego.

Logo você precisa de um estímulo, uma palavra amiga, um empurrão, mas o que você recebe, com todas as letras, é um "vai ficar tudo bem" ou um "se X conseguiu, você consegue". Aí seu problema se torna mais um problema, porque o estímulo se torna uma obrigação. Seu vizinho passou no vestibular, você também passa, é o que sua mãe falará no seu Ensino Médio. Você agora está preso num dilema, numa responsabilidade de fazer o que a X pessoa conseguiu.

Você quer falar sobre seu problema o tempo todo, com sua namorada, amigo, hamster ou seu gato que não te dá bola. Mas você acha que está sendo ou vai se tornar um chato, repetitivo. Afinal, quando você saía com seus amigos era o Zeca Pagodinho divertido do grupo, ou quando era com sua namorada era o James Dean preenchendo-a com sua diversão e provavelmente chantily. Logo você evitará falar do seu problema, o que no todo não é ruim, porque se sente aliviado em não falar do problema enquanto pensa no problema. Aí chega o final de semana e você sai por aí passando seu cartão em máquinas da Cielo para esquecer do problema. Não quer mais receber palavras de estímulos ruins, nem ser o chato com sua família, amigos ou grupo. No fim isso se torna um tique nervoso. Contudo, o tique pode ser o problema.

5 comentários:

Hermes de Sousa Veras disse...

1. De longe o melhor texto do autor já lido por mim. Sua construção paranoica que atravessa todo o argumento textual é perturbadora, por isso, excelente.
2. Existem questões estruturais no pensamento faoliveriano, sem querer operar com questões binárias, mas já operando, a nível de simplificação, diria que são: Não vai dar certo x Se der certo, não tem importância, em breve não dará certo; e Se seu relacionamento amoroso faz bem, ótimo x caso não faça bem, melhor ainda, pois aí justifico o mundo a partir disso.
3. A partir desse pessimismo bem humorado, digno de um maldito britânico, percebemos uma identificação sensitiva incrível para com os fracassados, mas não os fracassados minoritários do mundo, que seriam pessoas mais miseráveis do que as tratadas nos textos do autor, talvez com a atualização de seu pensamento estrutural chegue a se identificar com os menos afortunados, ou para se utilizar uma concepção mais política, dominados-marginalizados, logo, resistentes.
4. Dito isto, o pensamento do autor se opera, via de regra, nas relações cotidianas de certa classe média: embora a transcenda em diversas situações, isso em razão de sua sensibilidade para os fracos de dentro desse sistema:o azarado.
5. O que nos remete a outra situação: os elementos-personagens femininos do autor geralmente são os antagonistas da vida do homem-menino, pra ser mais justo: a mãe e a Anti-Namorada, ou a garota que não deu bola. Talvez com a atualização desse pensamento, o feminino passe a ter outra atribuição: ou finalize de vez todas as perspectivas demostrando a inferioridade do menino. Na qual acredito.
6. Dito isto, o pensamento do autor é geralmente dirigido para os jovens, e quase sempre, meninos jovens. O que não é um defeito, apenas uma questão de preferência.
7. Isto não é tudo, questões mais profundas orientam seu pensamento, mas saberemos nos próximos textos: que papel o feminino terá, será apenas antagonista novamente? sua filosofia orientada para jovens um dia será orientada para homens mais maduros ou velhos? Espero que o autor seja atravessado por um devir-senhor, devir-mulher, trazendo textos cada vez mais pessimistas-acalentadores, mas também distributivos em relação ao seu público.

CA Ribeiro Neto disse...

Os antropólogos deveriam ser pagos pela ONU para fazerem comentários assim em blogs de todo o mundo. Hermes se garantiu!

Mas falando sobre o texto, FA, senti uma semelhança com o meu tipo de texto. Se eu tiver lhe influenciado, maravilha! Se não, sintonia!

faoliveira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
faoliveira disse...

Chorei com pensamento faoliveriano no almoço. Quando escrevi o texto nunca cheguei a pensar nesses pontos. Foi mais uma brincadeira de palavras e que na época realmente estava com um tique nervoso. Observarei melhor agora o feminino

Hermes de Sousa Veras disse...

Acho que a gente geralmente escreve assim, guiado por alguma lógica sensitiva ou descritiva, não sei. Depois que podemos interpretar "melhor" nossos textos. Se escrevemos já com objetivos postos, um texto de literatura, dificilmente alguém vai interpretá-lo da forma que queremos. Essa é a graça!