sábado, 13 de junho de 2015

TEMPO, TEMPO, TEMPO, MANO VELHO...

Ontem foi meu aniversário. Trintei. E com o peso dessa transformação, um assunto me parece ser o tema da vez: o tempo! 

As pessoas nascem peladas, banguelas, choronas, sem qualquer controle de bexiga ou intestino e com possibilidades limitadíssimas de comunicação. E, se não houver nenhum acidente de percurso pelo meio do caminho que as tire de campo antes da hora, morrem de um jeito bastante parecido. Se o início o fim são quase iguais, só nos resta o que tem pelo meio. De modo que a única coisa que nós temos é tempo. E o que é a vida senão um intervalo de alguns milhares de dias entre o nascimento e a morte? O que é a vida senão tempo?


O tempo é o nosso recurso mais precioso, porque ele é limitado e é a partir dele que construímos todas as outras coisas. Todos os conhecimentos e habilidades que nós desenvolvemos são resultado do tempo investido no aprendizado. Todas as relações afetivas que nós construímos são resultado do tempo que dedicamos a conhecer e conviver com as outras pessoas. Toda a nossa carreira profissional é resultado do tempo que dedicamos a amadurecer e aprimorar nossas aptidões e competências. O tempo é a nossa moeda de troca mais essencial.

Uma noitada gostosa de conversas, cervejas e risadas ao lado de amigos foi paga em algumas horas de sono das quais abrimos mão. E a conta do bar, por sua vez, foi paga com o dinheiro do nosso salário, que nada mais é do que algumas (várias!) horas de trabalho dedicadas a alguma atividade remunerada.

E se o tempo é tão essencial, tão primordial, por que se contentar com a quantidade que nós temos? Por que não tentar ter um pouquinho mais? Esta é a premissa da letra de "Introduce The Metric System To Time", da banda americana The Hives!

Pra situar um pouco melhor, vai rolar uma mini aulinha de matemática, tenham um pouquinho de paciência, tá?

O sistema de medida que nós utilizamos é chamado de Sistema Internacional e é adotado pela enorme maioria dos países do mundo, mas não pelos Estados Unidos, onde ele é carinhosamente conhecido como Sistema Métrico. A maioria dos americanos não entende muito bem o funcionamento deste sistema e se confunde um bocado, o que explica um pouco do estranhamento da banda com relação ao assunto. O Sistema Métrico define as unidades de medida de comprimento em metros, de massa em quilogramas e de tempo em segundos, cada um desses com os seus respectivos múltiplos e submúltiplos. Nos dois primeiros casos, os múltiplos e submúltiplos são sempre na base dez, ou seja, dez, cem, mil, e assim sucessivamente. Assim, 1km tem 1000m, 1m tem 100cm e 1kg tem 1000g. A medida de tempo, por outro lado não tem subdivisões baseadas nos múltiplos de dez. Uma hora não tem 100 minutos, só 60, e um dia não tem 100 horas, apenas 24. Essa diferença no critério é o ponto de partida da letra da música.

Se o tempo é uma coisa tão importante pra nós, por que se satisfazer com apenas 24 horas num dia?! Por que se limitar a 60 minutos numa hora?! Por que não fazer o tempo render mais?! Por que não usar o mesmo critério das outras medidas para o tempo também?! Por que não introduzir o sistema métrico ao tempo?! Why not introduce the metric system to time?!

Partindo desta premissa, a banda desenvolve toda a letra da música em torno da ideia de que o tempo é fundamental e escasso e que, se tivéssemos mais dele, a vida seria bem melhor. E não faz todo o sentido?! Se ao invés de um dia com 24 horas de 60 minutos, tivéssemos um dia com 100 horas de 100 minutos, não poderíamos realizar muito mais coisas boas em nossas vidas?!

Work, eat, play then go to sleep that won't get me no satisfaction.
Gotta find a way out, yeah a way out of this mess.
So sick of trying to make my time last and ending up with less.

Trabalhar, comer, jogar e depois ir dormir não me satisfaz.
Preciso arranjar um jeito de sair, de escapar dessa confusão.
Estou cansado de tentar fazer meu tempo render e acabar tendo ainda menos.

É ou não é bem assim que nós nos sentimos? Num eterno ciclo vicioso de correr atrás do tempo para cumprir as nossas obrigações e sem ter tempo pra nada? Sem ter tempo para viver a vida, aproveitar todas as possibilidades, experimentar todos os encontros... Dá ou não dá muita vontade de ter o tal do dia de cem horas? Tem como discutir com o argumento dessa música?

Why settle for twenty-four when I can have a hundred fractions?
Who knew I'd be the one pulling off the perfect crime?
So here's my new line, I'll change your mind and the metric system to time.

Por que se resignar com vinte e quatro quando eu posso ter cem frações?
Quem diria que seria eu a cometer o crime perfeito?
Então eis a minha nova ideia, eu vou mudar a sua cabeça e introduzir o sistema métrico ao tempo.

Mas é claro que essa ideia vai mudar a cabeça de todo mundo mesmo! Quem não quer mais tempo? Quem não sente que tem muito mais coisas a fazer do que tempo disponível? Quem não vive reclamando sobre a falta de tempo? É claro que se trata de uma ideia transformadora!

I've found a way out, yeah, a way out of this stress.
I made my time last and it's total success.
(...)
A hundred hours is my supply it's gonna give us all satisfaction.

Eu encontrei uma saída, yeah, uma saída para este stress.
Eu fiz o meu tempo render e foi um sucesso total.
(...)
Cem horas à disposição, vai satisfazer a todos nós.

Eu não conheço ninguém que não tenha uma vida tão corrida, tão atarefada, que não fosse amar essa ideia de ter mais tempo. Porque o que nós chamamos de escassez de tempo, na verdade é a nossa enorme dificuldade em fazer escolhas, em priorizar, em abdicar de algumas coisas em função de outras. Quando dizemos que não temos tempo de fazer uma viagem com amigos, o que estamos dizendo é que priorizamos dedicar àquele tempo a uma atividade profissional que demanda mais de nós, provavelmente porque o retorno financeiro é maior e nós queremos ter o conforto que aquele dinheiro nos proporciona. Isso não é ruim ou errado, só é extremamente difícil. Difícil de escolher e difícil de conviver com a escolha. E é por isso que a ideia proposta na música é tão sedutora, porque nos livraria de ter de escolher!

Como em toda boa utopia, essa ideia proposta é extremamente confortável, acalentadora, beira a ideia de perfeição! E como toda distopia é um projeto de utopia que desandou, essa ideia utópica de ter bem mais tempo à nossa disposição não tem como dar certo! Porque o dia é a voltinha que a Terra dá e isso não muda. Um dia com mais horas e mais minutos, seria um dia com horas menores e minutos menores. Só estaríamos nos iludindo e redividindo um recurso que, já sabemos, é bastante limitado: o tempo!



PS: Esta é uma das músicas mais criativas e interessantes que eu já ouvi e eu sou apaixonada por ela desde a primeira vez que escutei! Estava empolgadíssima pela perspectiva de escrever sobre ela por aqui, já que a considero uma clara obra distópica, por mais fora dos padrões de distopia que ela esteja!

3 comentários:

Paulo Henrique Passos disse...

Muito massa a ideia da música
Lembrei do filme O preço do amanhã

Paulo Henrique Passos disse...

Ah, e parabéns! Que você tenha a chance de ir como veio

CA Ribeiro Neto disse...

Seu texto, referente a uma música, me lembrou um filme distópico: In Time! Já assistiu? Muito bom e traz a mesma reflexão do tempo, juntando também a discussão das desigualdades sociais e do quanto tomam nosso tempo para trabalhar para os outros.