por CA Ribeiro Neto - Twitter
coluna: Da nossa opção por voar
UMA CASA VELHA
E ABANDONADA, NA ESQUINA DE UM BAIRRO TIPICAMENTE RESIDENCIAL DE FORTALEZA. UM
CASAL DE MENDIGOS UTILIZA O LAR COMO MORADIA EMPRESTADA. DETERMINADA MANHÃ,
PASSO LIGEIRAMENTE PELO LOCAL E VEJO A SENHORA DO CASAL AOS BERROS DENTRO DA
CASA. O SEU COMPANHEIRO ESTÁ SENTADO NA ESCADINHA DA ENTRADA DA CASA, COM
METADE DA BARBA FEITA E A OUTRA METADE REPLETA DE CREME DE BARBEAR E DUAS
MULHERES BEM VESTIDAS SE RETIRANDO DO LOCAL, INDO EM DIREÇÃO AO SEU CARRO.
Quantas
possibilidades de histórias há em uma cena vista por no máximo dois segundos?
Rosa
enlouqueceu após perder sua última gravidez. Deixou o marido, deixou de
trabalhar, foi gastando tudo que tinha em bebidas e se envolvendo com os bebuns
que haviam nos locais onde ela deixava seu dinheiro. Entre amores de uma noite
e falta de memória do que fez na noite anterior, conheceu Reginaldo. Acharam
por bem se manterem um tempo juntos. Mas aí veio o período chuvoso. As coberturas
das fachadas de fábricas já não rolavam mais pra dormitório. Lembraram-se de uma
casarão, há muito tempo abandonado, não vai ninguém, sem serventia, só ocupando
uma esquina do bairro. Tomaram para eles já tem duas semanas, aí apareceu quem se dissesse
dono. Duas moças foram até o local, falaram com Rosa, que entrou casa adentro,
gritando e assanhando os cabelos. Reginaldo sai do banheiro com a barba cheia
de espuma e um barbeador enferrujado cheio de pelo na sua mão. Elas entregam o
ofício a ele e falam do prazo para a retirada pacífica antes da desocupação.
Ele fala algo com o seu santo padroeiro, um tal de São Nunca.
Reginaldo é um
visionário. Invadiu uma casa que ninguém mais usava mesmo e transformou o que
poderia ser um lar em seu meio de vida. É um empreendedor. Chamou Rosa, sua
companheira de ideias e de cama, e contou seu plano. A casa tinha uma posição
estratégica, perto da avenida litorânea, tradicional vitrine das profissionais
do prazer, mas bem distante da parte luxuosa que sempre atraiu turistas
europeus. Quem procura profissional por pouco, também não procura motel 5
estrelas. Começou os trabalhos com a poderosa propaganda boca a boca e com a
promessa de descontos para a fidelização da profissional que vier realizar seus
ofícios no novo ambiente. Duas semanas depois já havia meninas morando no local
e atendendo diurnamente. Até que chegou por lá duas mulheres bem arrumadas, da
Prefeitura, do serviço social e sei lá o que, dizendo que eles não podiam ficar
ali, que tinha um canto para cada um delas. Reginaldo, que estava fazendo a
barba e que não parou por causa das visitas, disse que se quisessem abrir
puteiro de grã-fino, ali não era lugar. Que fossem procurar outro terreno e
que tratassem de emagrecer, se quisessem competir com as meninas dele e com o
Motel do Bom.
Rosa, filha de família rica, casou-se com um empresário
que, depois de 30 anos, faleceu e deixou-a viúva e louca. Mandou as duas filhas
para a Europa, e foi torrando tudo que tinha comprando decoração para casa e
plantas exóticas para o jardim. Quando viu que o saldo estava diminuindo, foi
vendendo tudo a preço de banana, para que não faltasse nada para as filhas no
exterior. Para as filhas não perceberem as mudanças, ela inventava de
visitá-las nas férias delas, ao invés de recebê-las no Brasil. A loucura se
completou quando ela conheceu melhor o jardineiro Reginaldo e se achamegou. Com
ele, ela aprendeu a gostar de cachaças centenárias e como podem ser
movimentadas festas a dois. Quando o dinheiro já estava que era só a rapa do
tacho, ela se lembrou dum casarão antigo, de seus falecidos pais e que ela
achava que ainda dava para morar. Depois de duas semanas, enfim, as filhas
notaram a falta do baú no final do arco-íris londrino, voltaram ao Brasil e
encontraram a mãe passando necessidades na antiga casa da família. Logo na
chegada, encontraram o Reginaldo sentado no batente, tentando fazer a barba sem
usar espelho. Entraram de supetão, encontraram a mãe lavando louça sem sabão e
voltaram para brigar com o homem, ele calado estava e calado ficou. Quando coçou
o saco por cima da bermuda elas desistiram, correram para o carro e foram
embora.
3 comentários:
Ah esses dois segundos... Dão dois milênios de histórias.
A tua visão de cronista não desafina, né, Carlim?
Fico imaginando se essas pessoas soubessem que - até sem querer, por por um ímpeto mesmo de observador criativo - estão sendo observados. Às vezes parecem até que atuam... só para a gente assistir rsrs
Adorei a confusão que o homem faz na segunda história!
Big BROTHER Carlim.
Não sou um robô.
É um exercício que todos deveriam fazer, é massa demais!
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