por Alex Costa - Facebook
coluna: Em cada canto um conto
Meu enorme erro foi te querer tocar com
as mãos, ainda que elas estivessem limpas e despidas dos desejos da carne. Tu,
que sempre te manifestaste tão líquido, fugidio de toda metáfora, escorregadio
de todo verbo conjugado no imperativo, fugitivo de toda conversa séria, embora
foste em todo o tempo carregado de sobriedade. Confesso que já tive vontade de te jogar em fogueira ardente para
descobrir se és de verdade um rio que apaga ou se és somente córrego que
estanca a depender da estação. Quis te jogar em fogueira por experiência
própria, pois foi sendo queimado que descobri como é ser carvão.
Eu sempre me vi estação estática, nunca
ousei mudar. Das tuas margens escorria uma indiferença que cobria minha
vegetação rasteira. Tuas águas eram profundas e mesmo eu te cerceando nunca me
arrisquei entrar em ti. Tuas águas eram correntes, mas baldeadas: tu nunca me
deixaste ver teu fundo. Havia uma contradição em ti da qual era complicado
reclamar: tu foste o cavalheiro que sempre se apresentou de rosas em mãos, mas
que maltratou sem saber. Em teu alazão branco tu cavalgaste nas tuas próprias
margens, tu respingaste em mim umas gotas quentes que saltaram dos teus cascos:
tu corrias sem cabrestos.
Éramos dois corpos sentados em um banco de paus no meio de uma
movimentada praça: eu era fogueira ardente e tu água que fervia passivamente,
indiferença escorrendo liquefeita em sorrisos. Tu me deixaste sujar roupas, me
fez chupar polegares e me fez conhecer metade do universo, suado, despido,
agonizante e deitado em um colchão inflável! Levantei-me um quase moribundo; e
tu, alazão bravio, contorcia-se na grama de plástico, antes leito. E tu se
foste. E restei apenas eu como final de tarde, que é, segundo José, a tristeza
do sol.
2 comentários:
É um texto intenso demais. Cheio de nuances e múltiplos significados. Belíssimo texto!
Texto lindíssimo! Uma linguagem poética e fluida, como as águas de um rio. Denso.
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