quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O menino que se transformava em água

por Alex Costa - Facebook
coluna: Em cada canto um conto


          Meu enorme erro foi te querer tocar com as mãos, ainda que elas estivessem limpas e despidas dos desejos da carne. Tu, que sempre te manifestaste tão líquido, fugidio de toda metáfora, escorregadio de todo verbo conjugado no imperativo, fugitivo de toda conversa séria, embora foste em todo o tempo carregado de sobriedade. Confesso que já tive vontade de te jogar em fogueira ardente para descobrir se és de verdade um rio que apaga ou se és somente córrego que estanca a depender da estação. Quis te jogar em fogueira por experiência própria, pois foi sendo queimado que descobri como é ser carvão.
          Eu sempre me vi estação estática, nunca ousei mudar. Das tuas margens escorria uma indiferença que cobria minha vegetação rasteira. Tuas águas eram profundas e mesmo eu te cerceando nunca me arrisquei entrar em ti. Tuas águas eram correntes, mas baldeadas: tu nunca me deixaste ver teu fundo. Havia uma contradição em ti da qual era complicado reclamar: tu foste o cavalheiro que sempre se apresentou de rosas em mãos, mas que maltratou sem saber. Em teu alazão branco tu cavalgaste nas tuas próprias margens, tu respingaste em mim umas gotas quentes que saltaram dos teus cascos: tu corrias sem cabrestos.

          Éramos dois corpos sentados em um banco de paus no meio de uma movimentada praça: eu era fogueira ardente e tu água que fervia passivamente, indiferença escorrendo liquefeita em sorrisos. Tu me deixaste sujar roupas, me fez chupar polegares e me fez conhecer metade do universo, suado, despido, agonizante e deitado em um colchão inflável! Levantei-me um quase moribundo; e tu, alazão bravio, contorcia-se na grama de plástico, antes leito. E tu se foste. E restei apenas eu como final de tarde, que é, segundo José, a tristeza do sol. 

2 comentários:

CA Ribeiro Neto disse...

É um texto intenso demais. Cheio de nuances e múltiplos significados. Belíssimo texto!

Paulo Henrique Passos disse...

Texto lindíssimo! Uma linguagem poética e fluida, como as águas de um rio. Denso.