por CA Ribeiro Neto - Twitter
coluna: Da nossa opção por voar
O
cheiro de terra e grama molhada preenche o ar, como se a vida fosse um velho a
pedir calma a todos. Se tivéssemos tempo de parar para apreciar, poderíamos
perceber que nesse vasto gramado há milhares de tons de verde, variando devido
à idade de cada folha, ao que há de nutriente em cada centímetro quadrado de
solo e ao quanto de sol, sombra e orvalho recebe a cada vinte e quatro horas.
Talvez haja uma estrada servindo de suspiro óptico ao verdeal, ligando pequenos
lugarejos, mas também não podemos bater o martelo com qualquer certeza. Mas não
há tempo para tanta reflexão, então, o que se vê é um grande mar verde e
sólido, fazendo divisa com o céu. Se houver montanhas ao longe, decerto estão
tão distantes que se tornaram azuis também e se confundiram com a gradação de
azul do céu. Este, malhado de nuvens, se tivesse vida, estaria procurando a
melhor posição para visualizar o fato-pintura. E as nuvens, com formações
densas, colaboram com a dramaticidade que porventura o momento peça. A jovem,
prestes a cair, arregala os olhos, achando que entender o que acontece pode
adiantar de algo. O tempo que é seu inimigo agora. Um vermelho vivo espalha-se
na lateral de seu abdômen, pouco acima da bacia. Com o forte ardor no local, rapidamente
ela olha para, então, sentir a dor. Mais rapidamente ela tira o olhar do radial
crescente vermelho e busca o horizonte. Procura o atirador furtivo ou alguém
que lhe ajude? Insanamente os dois em fração de segundos. Contudo, o autor do
disparo ou a possível ajuda não seria também a sua motivação para estar ali? O
objeto de sua busca seria quem lhe fez mal, quem lhe quer bem ou ela é
simplesmente vítima da hora inapropriada? O céu, calado, observa; o vento, como
se quisesse levar algo de recordação – a sombrinha ou um fio de cabelo, que
seja – certamente passará o que viu adiante.
(Texto inspirado na obra da artista plástica Jéssica de Sousa, irmã do escritor)
4 comentários:
Muito sensível, bonito e delicado! Andei de mãos dadas com ela!
Sobre o processo criativo, vi esse quadro no quarto da minha irmã e em fração de segundos imaginei tudo isso. Depois foi mera burocracia de passar tudo pro papel!
Escrever também é ser visitado por entidades misteriosas, meu caro C. A Ribeiro.
Muito lindo o quadro.
Quem escreve é escritor 24h horas por dia, mesmo quando não está escrevendo.
E fazer conversas entre linguagens diferentes é sempre muito bom.
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