por Alex Costa - Facebook
coluna: Em cada canto um conto
A
Jhonny Paiva, que busca o lado doce da vida.
Central
do Brasil, 28 de janeiro de 1998.
Guida,
Tô
escrevendo pra dizer que volto. Antes da semana santa, se Deus ajudar e Nossa
Senhora quiser, eu volto. Por aqui tá tudo bem. Uma sorte danada eu tive,
Guida! Eu, roceiro sem estudo, sem ler nem escrever, arranjar servição que nem
esse que compadre Plínio arranjou pra mim... só com a ajuda de Deus mesmo,
Guida. A gente tem é que agradecer por tudo, Guida, agradecido demais até por
ter encontrado Dona Dora aqui na Central do Brasil, ela quem escreve carta pra
quase todo mundo, uma santa mulher, Dona Dora. Fui falar com o homem semana
agora que se passou, um sujeitão o doutor Paulo. O homem sabe tratar a gente,
foi logo mandando sentar, abriu logo um riso, o homem sabe tratar a gente,
Guida. Quis saber quantos anos eu tinha, quase arriou da cadeira quando eu disse
que tinha dezessete, mas já tava dentro dos dezoito. Doutor Paulo se admirou,
disse que me dava mais que isso, perguntou o que era que eu fazia aí pra
conseguir essas lapas de braços! Ora, pensei até que ele tivesse de prosa, mas
disse a ele que era nos serviços, nos roçados alheios, com sol ou chuva, brocando,
arando, apanhando grão. Eles aqui gostam de homem forçudo que nem eu, acho que o
homem foi mesmo com a minha cara, Guida. Não sei como doutor Paulo soube que eu
gosto de um pinga de quando em vez, dia desses me chamou pra beber alguma coisa
depois do serviço, eu neguei na hora, nunca gostei de beber com patrão não, que
depois que o sangue tá quente a gente gosta de falar umas merda [com licença da
palavra] que se arrepende depois, e Deus o livre de chatear o homem, que o
homem me tem um apreço grande, Guida. Aqui na firma tem uns invejosos, desse
povo que trabalha comigo, ficavam tudo soltando piada comigo, mas eu não dei
confiança e eles pararam. Ora, se eu tenho nada a ver que o homem gosta de
cabra trabalhador, faço meu serviço direito e pronto. Na sexta agora ele chamou
de novo, mas foi pra ajeitar umas coisas na casa dele, daí eu não podia negar,
né!? Mas a casa dele nem é casa mesmo, é uma casa atrepada em cima umas das
outras, quero que tu veja: sem telha, só gesso. Espaçosa, a casa do doutor
Paulo. Uns quadros esquisitos na parede, uma mesa bem grande cheia de bebida
dos estrangeiros, eu morto de vergonha, Guida. Mora sozinho doutor Paulo. Disse
que se separou da mulher. Perguntei um dia desses sobre a antiga mulher do
doutor e o pessoal da firma deu risada, fiquei sem entender, mas são uns bestas
aquele povo. Mandou eu ficar à vontade, disse que se tivesse com calor não se
acanhasse, podia tirar a blusa, o homem é simples demais, só tu vendo, Guida.
Como o calor tava danado, só desabotoei e deixei mais aberta pra correr vento, aqui
às vezes é quente como o diabo! Perguntou se eu queria tomar um banho, eu nem
queria, mas tava calor demais e eu fui, todo acanhado, mas fui. Doutor Paulo foi
me deixar uma toalha florida, abriu a porta do banheiro que eu tomei foi um
susto! Botou uma dose de amarela pra mim, me ofereceu e insistiu tanto que eu
achei uma falta de respeito não aceitar. A bicha desceu rasgando tudo, mas
pense num negócio bom! Doutor Paulo até riu da careta que eu fiz, eu ri também.
Ele pediu licença pra ir tomar o banho dele, demorou tanto que achei que não
fosse mais voltar, mas me deixou à vontade pra botar mais amarelinha, doutor
Paulo deixa a gente livre mesmo pra beber, o homem tem um bem-querer comigo,
Guida. Patrão igual ao doutor Paulo num tem mais em lugar nenhum do mundo, tem
nem do que duvidar! Bebemos que só eu te escrevendo outra carta, e eu nem sabia
que doutor Paulo era dado a beber, nem sabia que esses homens de negócios
bebiam feito roceiro. Acabamos perdendo a hora, a sorte que outro dia era folga
da piãozada, não me aperrei tanto. Pois tu me acredita que o homem queria que
dormisse lá, na casa dele!? O homem se preocupou de eu não voltar sozinho pra
casa, Guida. Mas ele gostou mesmo foi dos meus braços, o homem tava admirado demais,
mas é porque aqui só tem esses cabras moles, que não sabem o que é capinar um
lote nem brocar um roçado. Mas aí eu não aceitei dormir não, Guida. Era abusar
da bondade do doutor, mesmo ele tendo insistido muito, segurou meu braço com
força pra eu não ir, mas eu disse que não podia mesmo ficar. Acho que ele não
gostou muito e, tu sabe, eu até me arrependi depois de não ter ficado! Doutor
Paulo é um homem que faz de um tudo por mim, num posso tá rejeitando pedido do
homem assim não, ele tem uma simpatia por mim, Guida. Agora vou me despedindo
aqui, meu bem, talvez na semana santa eu volte, Guida, se Deus quiser e Nossa
Senhora ajudar, talvez eu volte.
3 comentários:
Seu texto está com uma linha muito legal, com esse impacto de realidade! Muito bom! Parabéns!
Muito bom e muito engraçado também. Parabéns!
Postar um comentário