sexta-feira, 1 de abril de 2016

Os inocentes

por Danilo Maia 


"O choro dos inocentes". Pensou ou falou – ele estava com tanto sono que nem tinha certeza qual das duas ações aconteceu. Mas o que sabe é que foi acordado com o choro do bebê dos vizinhos. O que, além de deixá-lo aborrecido, por ter sido acordado em um dia que não precisava levantar cedo, o deixou também intrigado, afinal, aquela criança dificilmente chorava, e menos ainda tão alto e tão esganiçado. Era até um dos motivos que o fazia sorrir para o bebê quando o via.
Não, não gostava de crianças. E para aumentar o seu desagrado, fora acordado com um choro estridente e não restavam dúvidas, era o bebê dos vizinhos. Levantou-se, banhou-se e tomou o café da manhã ouvindo a triste sinfonia de um choro agoniado. Ao sair do seu apartamento, pensou em bater na porta ao lado e perguntar se podia ajudar. Mas o que ele entendia de crianças? De choro? E de interação com vizinhos? Nada! Essa era a resposta para todas as perguntas.
Saiu mais irritado do que o normal e, talvez por isso, não percebeu que, em todo o edifício podia-se ouvir crianças chorando!
De dentro do seu carro, com as janelas cerradas e o rádio ligado, ignorava também o choro que vinha de todos os lugares. Ruas, casas, edifícios, escolas...
O trânsito completamente livre ajudou a aliviar a tensão, mesmo estranhando tal acontecimento. Chegou a perguntar-se se o dia de hoje era domingo ou feriado.
No escritório, até esqueceu o episódio com o vizinho bebê. E o substituiu por uma nova preocupação: a ausência da secretária. Além de não ter aparecido para trabalhar – o que era algo totalmente novo –, não ligou ou enviou qualquer mensagem informando o motivo da falta – o que era completamente inadmissível. Resolveu levar a manhã sem esperar por ela. Depois resolveria esse assunto. E tudo correu bem. Porém, na hora do almoço, todo o seu pavor foi renovado.
Sem a secretária, teve que sair para providenciar a própria refeição. Mas não fora isso que o assombrou, apesar de estar acostumado com as benesses de ter alguém que fizesse coisas para ele – como pegar o seu almoço – sabia se virar sozinho muito bem. O pavor outrora citado se deu quando precisou sair do prédio e começou a ouvir um choro constante no caminho do mercado. Quando chegou lá, ouviu novamente gritos e choros e, desta vez, não era apenas uma criança. Eram muitas. Tinha certeza!
Percebeu que não havia nenhum funcionário ou cliente no local. Mas o indistinguível choro se fazia presente. Vasculhou todos os lugares à procura das crianças, mas também não estavam lá. Apenas os seus lamentos mais profundos davam vida – ou o anúncio da morte – ao ambiente deserto.
Ligou para a polícia, e não teve sucesso. Ficou desesperado e resolveu pedir ajuda nos prédios vizinhos. Porém, não havia sequer os porteiros!
Voltou às pressas ao escritório. Agora, atento a tudo, percebeu a ausência dos funcionários do prédio. Sem porteiros, faxineiros, seguranças... Nos outros escritórios, tudo vazio também.
Foi direto à garagem, entrou em seu carro e saiu em disparada. Precisava encontrar alguém que o ajudasse. Desta vez, com as janelas abertas, pode ouvir choros e gritos. Alguns mais próximos do que outros, mas todos igualmente desesperadores.
Em uma rua, reduziu a velocidade do carro, colocou a cabeça para fora e gritou em direção às casas pedindo ajuda. A única resposta que teve, foi o assombroso choro.

Rodou com o carro por todos os lugares até que a gasolina acabou e o veículo parou. O medo invadia seu corpo. Estava paralisado e todos os seus sentidos prestes a explodir de tanta tensão. Não aguentando mais, resolveu sair do carro, sentou-se na calçada, pôs as mãos na cabeça e, angustiado e desnorteado, finalmente encontrou o seu choro fazendo parte daquele coral lamurioso.

Nenhum comentário: