sexta-feira, 25 de março de 2016

Quinze minutos no trânsito


por Victor Hudson




[10/04/2014]


Como é que pode um homem ser acordado 6h pelo despertador do celular, saltar da rede, engolir um pão com café preto, tomar um banho de gato, enfrentar um trânsito feroz, bater o ponto no horário, e ainda esboçar um sorriso de gratidão até o fim do expediente pela “oportunidade única” de deixar seu chefe mais rico a cada ano? Alguém explica? Meu Freud de bolso só complica, e ainda esqueci no bolso da outra calça.
  Às sete horas da manhã, no trânsito, só os motoqueiros e ciclistas são felizes. Desfilando sua alforria entre corredores de automóveis, e a liberdade de irem mão única rumo ao trabalho. Vejo de camarote climatizado, um a um passar pela janela que nem coice de bacurim. A nós, condutores, em nossos carros de quatro portas e nenhuma saída, resta virar cantor de FM, contador de histórias da vida alheia para si mesmo, verificar as chamadas de ontem no celular, virar revolucionário de retrovisor, maldizendo a “falta de paciência” do povo que só falta passar por cima, passando não sei por onde.
  Só nos resta esperar o Deus da Semiótica transformar o semáforo fechado em aberto, e colorir de verde alguns minutos de tráfego para que possamos atravessar para a próxima esquina.
  Até que, finalmente, o corredor de carros se movimenta. Como uma grande serpente desenrolando-se e destilando um veneno vital, uma inércia que contamina com essa estúpida alegria por estar indo trabalhar, no volante do próprio destino, definindo finalmente a própria vida, pela mesma rota de todo santo dia.
Todo dia é assim. Essa mesma coisa que demora a começar, e não se sabe quando termina. Amanhã cedinho, sonolento, eu calço meu sapato para dirigir, e penso sozinho com meus botões, “Deus Todo-Poderoso, o que mais agora”?

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