domingo, 29 de maio de 2016

Teoria na prática: as funções do verbal por Thierry Groensteen

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Coluna: Para Além do SMASH!
por PJ Brandão

Terminei no comecinho do mês de fevereiro de ler o livro O Sistema dos Quadrinhos, obra de Thierry Groensteen que aborda de forma aprofundada o que constitui de fato o narrar quadrinístico. Leitura densa, demorei algumas boas semanas debruçado sobre as páginas, com caneta e caderno do lado, anotando tudo que achava relevante desse que, de longe, foi a minha leitura mais densa sobre HQs até o momento. Ainda tô me recuperando da ressaca. O fichamento ficou na marca das 41 páginas.

Por 184 páginas, Groensteen discorre sobre artrologia, decupagem, layout, encrustação e diversos outros conceitos que pretendo analisar em um segundo momento, seja aqui na coluna, seja nos artigos acadêmicos dessa vida. No momento, pretendo falar um pouco sobre os conceitos que o autor belga reúne de diversos outros autores, além de suas próprias proposições, referentes às funções da linguagem verbal nas HQs.

Verborrágico, o autor inicia essa parte de seu livro (mais ou menos a partir da página 136) discutindo porque opta pelo termo “funções do verbal” ao invés de “funções do escrito“, afirmando que “o discurso, na história em quadrinhos, está mais próximo do discurso do cinema do que do texto literário (mesmo dialógico)”. Ela emula uma infinidade de elementos que não são suportados na mídia impressa, tais como sons, movimentos, cheiros, etc. Apesar disso, Groensteen e outros autores costumam colocar em uma balança os quadrinhos muito mais próximo do Cinema que da Literatura, apesar das HQs serem uma linguagem autônoma (a existência de livros teóricos como O Sistema dos Quadrinhos corrobora com essa ideia). Portanto, vamos nessa falar do verbal.

VERBA VOLANT, SCRIPTA WHATEVER…
Groensteen puxa definições dos textos verbais dos quadrinhos de diferentes fontes, mas opta por iniciar sua explanação pelas funções, segundo ele, mais visíveis. São elas as funções de dramatização e de realidade. Segundo o autor, a função de dramatização se constitui quando o “intercâmbio de comentário colabora para o pathos da situação”. Segundo outro grande filósofo, a Wikipedia, “Pathos ou path é uma palavra grega que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento, assujeitamento, sentimento e ligação afetiva”. Enfim, a função de dramatização proposta por Groensteen é a do diálogo que acrescenta carga dramática à ação proposta pelas imagens desenhadas nas HQs.

A função realística, segundo Groensteen, “é um ponto que é comum esquecermos de sinalizar: há um efeito de real que se conecta à atividade verbal das personagens, pelo simples motivo de que, no cotidiano, as pessoas falam”.

Groensteen pega de Barthes mais “duas funções da mensagem linguística em relação à mensagem icônica: a ancoragem (ou fixação) e o revezamento (ou relais)”. (Abrindo só um parêntese aqui para dizer que o autor belga costuma diferenciar “mensagem linguística” de “mensagem icônica” e eu, particularmente, não concordo com os temas por acreditar que mensagens icônicas também constituem uma linguagem, mas isso não vem ao caso no momento). Na função de ancoragem, a mensagem linguística “dirige o leitor pelos significados da imagem e leva-o a considerar alguns deles e a deixar de lado outros”.

Já sobre revezamento, Barthes afirma que “a palavra e a imagem têm uma relação de complementaridade; as palavras são, então, fragmentos de um sistema geral, assim como as imagens”. Em resumo, a retirada de um elemento verbal ou de um icônico pode comprometer a interpretação da narrativa. Palavra e imagem conjuntamente são responsáveis pela significação daquele trecho da história em quadrinhos.

Groensteen traz de outro autor, Benoît Peeters, mais uma função do verbal nos quadrinhos, a de sutura, “através da qual o texto visa estabelecer uma ponte entre duas imagens separadas”.

Groensteen finaliza sua discussão sobre as funções do verbal nos quadrinhos propondo mais duas: as de condução e rítmica. A função de condução “trata da gestão do ponto de vista narrativo”, geralmente “confiada apenas aos recordatórios”. Segundo o autor belga, essa função é utilizada para “indicar ao leitor as grandes escansões temporais da narrativa”. Acrescentaria aqui que, além da questão de tempo, a função de condução pode servir também como indicadora de espaço.

Já sobre a função rítmica, Groensteen afirma que a “presença ou ausência de um texto, o eventual parcelamento de um enunciado verbal em vários balões, a distribuição dos balões por um número equivalente ou menor de quadros, a alternância de diálogos e recordatórios: são muitos os elementos que contribuem para imprimir ritmo – e duração – a uma sequência narrativa”.

CONCLUINDO
No fim das contas, Thierry Groensteen aponta em seu livro O Sistema dos Quadrinhos um total de sete funções do verbal.

- Função de Dramatização
- Função de Realidade
- Função de Ancoragem (ou Fixação) (emprestado de Barthes)
- Função de Revezamento (emprestado de Barthes)
- Função de Sutura (emprestado de Peeters)
- Função de Condução
- Função Rítmica

Como tudo em matéria de artes, diferentes autores possuem diferentes versões sobre o mesmo tema. No entanto, o apanhado de Groensteen foi um dos mais elaborados e completos que já li sobre quadrinhos.

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