coluna: Da nossa opção por voar
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Norminha não tinha folga desde a Páscoa. Quando voltava da aula, almoçava, fazia o dever de casa e já começava a ajudar a mãe, conhecida como a melhor costureira do lugarejo de Praia Branca, litoral cearense. Certo dia, no caminho da escola para casa, chega o menino Ciço e lhe entrega um presente. Envolta de um belo papel de presente mal embrulhado, uma caixinha de madeira com um pequeno punhal novinho dentro e um papel com uma mensagem escrita com péssima grafia:
“Na noite de Santo Antônio, espete a faca numa bananeira e espere 3 minutos. Quando tirar, nela vai estar escrita a letra que começa o nome do seu amor.”
Ao ver o que era, Norminha fez logo questão de esconder o presente entre os livros e começou a interrogar o pobre do Ciço:
- De quem é isso, menino?
- Ora, se tu ganhou, é porque é teu! – respondeu o sabichão.
- Gaiatim, né, meu fi?
- É não, é?
- Mas quem mandou pra mim?
- Se fosse pra tu saber, ele mesmo vinha te entregar. E eu num sou nem caboeta pra entregar o cara.
- Aff, ô menino mala.
- Mas tu vai espetar a bananeira mesmo?
- Te interessa? Eu nem gosto de ninguém.
- Parece que eu tô é vendo! – finaliza ele já gritando e correndo pra longe.
Norminha guardou o presente, mas não conseguia guardar a curiosidade: quem será que mandou? Rubão? Nonatim? Edgar? Zé Pedro? Chegou o dia 13 e na hora da festa a cidade estava toda reunida. Os católicos assistindo à missa, os evangélicos esperando a hora do sinal: a fogueira ser acesa, e os que não sabiam se acreditavam em Deus já estavam no aquecimento, tomando suas doses e beliscando baião com paçoca.
A missa acabou e todo mundo foi para a praça. O padre correu, já se livrando da batina e vendo se ainda conseguia uma parceira para a quadrilha. As moças andavam em pequenos grupos, os rapazes ficavam parados em aglomerados, todos tentando pescar um olhar. Seu Mudinho, conhecido por falar muito e alto, puxava um bingo. As senhoras da região montaram barraquinhas para vender seus quitutes: para cada produto vendido, a espera para escutar o elogio do cliente.
Enfim, Norminha falou com a Sara, contou os detalhes e, como tinha uma bananeira no quintal da casa da amiga, esta autorizou a facada com uma condição: ajuda para comprar um punhal, pois também queria furar e tentar a sorte.
Quando deu meia-noite, as duas fugiram na surdina, foram para o quintal da casa da Sara, esfaquearam a bananeira e só então se deram conta de que esqueceram de levar também um relógio. Contaram os minutos na mente e cada uma tirou a sua faca. Sara começou a chorar e dizer “vou ficar pra titia!”, pois na sua não tinha nada escrito. Norminha ficou branca, sem acreditar, a inicial do nome da sua paixãozinha secreta apareceu escrita: "E".
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Edgar tinha um plano para conquistar Norminha. Sabendo que ela era católica e devota de Santo Antônio, foi ao mercado, comprou um punhal bonito, de cabo branco bem trabalhado, e uma caixa de madeira que o coubesse. Levou para casa e, molhando o bico de um lápis com cola transparente, levemente escreveu a letra "E" de seu nome na lâmina. No meio do processo, sua irmã mais nova viu e, depois de rir bastante e jurar segredo, resolveu ajudar: pegou um papel de presente que tinha guardado e embrulhou a caixa de madeira. Depois foi só pegar seu amigo Ciço, fazê-lo jurar segredo e despachar a entrega. Por último e mais importante: rezar para o santo fazer o plano dar certo.
2 comentários:
Eu não sei se isso daria certo, mas aí já é coisa de fé. Muito bom o conto!
Póbi do Santantôin, de dr da Igreja, chegou a casamenteiro!
E viva São João!
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