por CA Ribeiro Neto - Twitter
coluna: Da nossa opção por voar
[ | ]
Como tantas cidades cearenses, Jaci teve a infeliz ideia de crescer perto da rodovia, ao invés da praia, deixando para os lugarejos da zona rural os mistérios e a beleza que acontecem ao nível do mar.
Mas de vez em quando, tais mistérios sobem um pouco a altitude.
Seu Bernardo tem um restaurante vizinho ao posto de gasolina que é a porta de entrada da cidade. Lá pousa os caminhoneiros que querem tirar um cochilo, esfriar o corpo com uma cerveja e esquentar a alma com uma paixão.
Já tarde da noite de uma sexta-feira, chega uma mulher de traços indígenas e vestido branco. Muito bela, tinha cabelos e olhos parecidos: escuros e escorridos; a pele morena, de um tom cobreado que só os indígenas conseguem manter; um corpo recortado, que faz o vestido sério e quadrado se tornar também sensual.
Ela entra, se senta e, com a aproximação de Seu Bernardo, pede uma água. Com o pedido dela, ele lembra a famosa pergunta que ele faz a todo cliente que lhe pede água: “Quer mineral ou da torneira?” Mas julga a segunda opção um tanto imprópria para a moça.
Enquanto ela assiste a estrada deserta, alguns caminhoneiros aproximam-se, interessados em observá-la. Olham-na com pupilas famintas de desejo, mas não recebem dela a menor receptividade ou convite. Eles, temendo uma recusa em público, desistem de qualquer abordagem.
Quando a plateia desiste do marasmo e se retira, resta apenas um bêbado que não sabe ainda se está dormindo ou acordado – condição fundamental para ser testemunha de algo inusitado. Ela se levanta; anda suave e sensualmente em direção ao estupefato Seu Bernardo; encosta suas mãos no ombro direito deste; aproxima os lábios do ouvido dele; e diz:
- Vamos. Vim te buscar.
Seu Bernardo cai no chão com uma parada cardíaca fulminante. Sua alma, já externo ao seu corpo, se vê em convulsão; com uma sensação de compreensão total; agora sabe que a alma pode ver o seu corpo ainda alguns segundos vivo; agora tem certeza de que existe alma; e agora sabe porque não sabemos a hora de nossa morte: ela age no improviso.
Um comentário:
Massa demais!! Adorei!!
Postar um comentário