por Alex Costa - Facebook
coluna: Em cada canto um conto
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Certo dia um fisioterapeuta conheceu uma moça nutricionista e foi tudo de uma liquidez intensa. Em duas semanas, entre algumas saídas e conversas de risos frouxos, decidiram que se casariam, haviam encontrado um no outro o que faltava. Com a convivência, começaram a surgir umas e outras chamadas carinhosas, senta direitinho, meu amorzinho, dizia ele, pedindo gentilmente para que ela corrigisse a postura, senão a cervical seria danificada. Ela, como coerente profissional da nutrição, pedia com voz doce, não tome refrigerante, meu amorzão, acabarás com teu estômago ligeiro. Nenhum dos dois bebia ou fumava, haviam acordado que jamais fariam isso, saúde em primeiro lugar e longe dos vícios estariam.
Acontece que ambos continuaram em seus hábitos sem perceber que incomodava o outro. Houve o toque. Já pedi para que tu não te sentes assim, mulher, disse ele certa vez ao chegar a casa e cutuca-la às costas, que estavam encurvadas; ela deixou para descontar na hora do jantar: somente folhas, saúde verde, ele enlouquecido. Nem um nem outro abria mão de seus hábitos que, ao ver de cada, não fazia mal nem um golinho de refrigerante diariamente nem muito menos deitar-se um pouco mais à vontade no sofá.
As brigas tornaram-se um pouco mais intensas, pois ambos decidiram investir pesado na correção um do outro, sem abrir mão do que achavam certo. Houve toques mais fortes. Tu me fazes ter que tomar atitudes assim, dizia ele, quando ela chorava pelo murrinho que ele lhe aplicara nas costelas. A relação já estava em situação insustentável. Houve o falatório em divórcio – nem seis meses haviam da lua de mel. Ela já não mais fazia comida, dona de casa que se tornou, ele dera para dormir fora de casa algumas noites, ela sem preocupação.
Numa sexta-feira ele chegou a casa e nada falou. Havia trazido comida da rua, uma a seu gosto, outro a gosto dela, tudo verdinho, que ela não quis. Vamos viajar próxima semana, Argentina, comprei as passagens hoje. Ela estranhou, mas se sentiu de alma lavada, aquilo era um pedido de desculpas, uma bandeira branca. Eram o casal da saúde, esses vão longe, diziam os conhecidos. Viajaram.
A viagem foi uma segunda lua de mel, tudo na perfeição mais bela que há: a perfeição do acaso. Lugares lindos, flores, muita carne e verdura. Passeios de bicicleta, barquinhos, peladinhos, noites calientes. Mas foi no último dia antes da volta, que aconteceu. Ela o esperava no hotel para um último passeio quando ele entrou no quarto de disparou sete tiros contra ela, morte na hora, de ambos, ele suicidou. Ficaram apenas os jalecos de ambos sobre a cama, ela engomava, ninguém sabe porque ela levara aqueles jalecos na mala. Morreram os dois saudáveis, ele com vinte e oito anos, de boa postura, um corpo invejável, uma mira muito boa, músculos firmes ao segurar ferro, ela de vinte e três anos, com as medidas ótimas, saúde saindo pela cabeça, pelo nariz, pelos ouvidos, uma saúde perfurada.
Essa história que agora lhes contei em prosa foi também narrada por um poeta boêmio, que levou a vida em orgias, a dormir encolhido pelos cantos de parede, em qualquer calçada desregular, dado a bebidas, álcool, cigarros, maconha, mulheres e homens. Morreu o poeta com oitenta e dois anos, tendo visto muita coisa da vida – inclusive a Argentina, por duas vezes.
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