quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A segunda descoberta do cu

por Danilo Maia


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ATOR já está no palco. Espera a plateia sentar-se.


ATOR
Olá! Vocês estão bem? Espero que sim!
Estão confortáveis em suas cadeiras?
Sejam todos bem-vindos! Eu gostaria de informar-lhes
que não é permito filmar e/ou fotografar este espetáculo. Pedimos também que desliguem ou coloquem no modo silencioso os seus celulares e, mesmo que eles toquem durante a peça, por favor, não atendam.
Aproveitem o espetáculo!

(pequena pausa)


ATOR
“CAPÍTULO UM: A SEGUNDA DESCOBERTA DO CU”

Então... Eu quero partilhar com vocês o momento em que eu descobri o meu cu pela segunda vez. Não vou falar da primeira, pois, eu não faço a menor ideia de quando foi isso! Mas a segunda vez, ah, essa eu lembro como se fosse hoje! Agora!! Eu tinha por volta de seis anos de idade. Estava no banho. Enquanto passava o sabonete pelo corpo - minha mãe supervisionava o banho, mas fazia questão que eu mesmo fizesse essas tarefas -, deslizei a mão ensaboada na minha bunda e toquei meu o cu. Não tive prazer, mas o susto que a minha mãe sentiu e o modo como ela me repreendeu, simplesmente despertou uma curiosidade sobre aquela parte do meu corpo que, não me lembro de ter sentindo com qualquer outra! Eu precisava saber mais sobre o meu cu!! No entanto, na frente da minha mãe, isso não iria acontecer. Até perguntei o porquê, mas ela só dizia que "era errado". Sem mais nenhuma explicação.

Mas a partir daí, bastava eu ficar sozinho que já enfiava o dedo na boca - para lubrificá-lo - e, em seguida, colocava na minha bunda. Repito, ainda não sentia prazer algum e nem o enfiava diretamente no cu. A coisa toda era mais para perceber a textura, a contração, as rugas, o cheiro, a temperatura e o próprio risco de ser pego. Tudo isso me era fascinante!

E eu tinha essas dúvidas frequentes: Como é que ninguém falava sobre o cu??!! Por que esse tabu todo? O cu de todo mundo era exatamente igual e, por isso, não gerava curiosidade?

Era um assunto completamente ignorado. Negligenciado até! Lembro que, poucos dias depois da descoberta, fiz algumas perguntas à minha professora sobre o meu cu [e os "cus" em geral], e a maldita, em vez de me explicar, chamou minha mãe na escola e a aconselhou me levar a um psicólogo. Pois eu tinha "um problema".

Imbecil!

Por sorte, sempre fui esperto e sabia como me invisibilizar dentro de casa. Fugir das perguntas e dos "olhares julgadores" era minha especialidade. Na verdade, não era tão difícil assim, afinal, minha mãe dava muita atenção ao meu irmão mais novo, logo, eu era deixado de lado. Daí, eu não fui levado ao psicólogo e nem a minha mãe me questionou sobre essa minha "curiosidade". Claro que, antes disso, quando chegamos em casa naquele dia - após a reunião com a professora -, levei uma surra daquelas. Mas cada vez que o cinto zunia no ar e marcava minha pele, eu pensava ainda mais no meu cu. Fiquei um bom tempo com as marcas e a dor me fazendo companhia. Enquanto isso, meu cu continuava a me fascinar todos os dias...

Uma coisa engraçada, por exemplo, é que todo mundo tem cu, mas é como não se desse conta disso. Aliás, costuma dar-se conta do cu do outro [seja desejando ou punindo], mas pouco sabe sobre o próprio cu. Se eu falar uma simples coisa como "contrair o cu", tenho certeza que todos vocês estão contraindo agora. Em seguida, vão ficar constrangidos porque fizeram isso - e eu sei que fizeram -, vão rir sem graça, ninguém troca mais olhares aqui e vão desejar não ter feito isso. Mas é uma grande bobagem, pois TODO MUNDO TEM CU!! Consequentemente, todo mundo CONTRAI o cu.

Olhaí, contraíram de novo.

(pequena pausa)

Mas voltando a falar de mim: Eu, uma criança de seis anos, tinha um cu, sabia disso e me preocupava com ele! Era deslumbrante saber que, através dele eram expelidos excrementos e gases, e apesar de ser um buraco, eu tinha controle sobre ele. Isso me fez sentir poderoso! E a partir dali, a minha autoconsciência sobre o meu cu, me fez acreditar que eu teria segurança para tantas outras coisas na Vida... Que apostaria no desconhecido só pelo prazer da descoberta. E não, não estou usando um eufemismo para masturbação anal! Estou falando de apostas mesmo! Qualquer coisa que fosse desconhecida pra mim, eu iria me jogar. Se daria certo, se daria errado, eu nunca temeria, apostaria.

Claro, ainda iria passar por muita coisa, para láááá na frente, compreender como realmente as coisas funcionam. Depois de muitos percalços, acho, atingi essa compreensão.

Porém, tive essa segurança, confiança, determinação... Tudo isso, graças ao meu cu!



[CENA 1 - A SEGUNDA DESCOBERTA DO CU – da peça “BURAC*” escrita para o Grupo Teatral Loa]

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