por:
Hermes de Sousa Veras
Ligeiramente sombrio. No mais, consideravelmente feliz e tropical.
Coluna: Etnoliteratura
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Enquanto estava em uma fila de supermercado, olhando para suas poucas compras: alguns pacotes de bombons, pirulitos, pipocas doces e salgadas, salgadinhos e outras guloseimas, não se conteve quando viu um garoto agachado na prateleira das jujubas, com os grandes olhos suplicando para a mãe.
— Não!
Um real e alguns centavos. Isso era quase nada! Pelo sorriso de uma criança… era nada. Porém, pensou na educação e na importância de se negar de vez em quando, para a criança compreender que nem tudo que ela deseja vai ser saciado. Mas era duro, e aquela alegria custava tão pouco…
Pagou as gostosuras compradas, livrou-se do fluxo, encostou-se em alguma parede com a nota fiscal na mão, caso alguém viesse lhe importunar. Preparou um conjunto de delícias. Procurando o menino, achou-o ali, perto ainda das jujubas, enquanto a mãe ainda negociava com o caixa.
— Oi, menino? Qual o seu nome? Olha, a minha religião tem um preceito especial: deixar as crianças felizes, especialmente em setembro. Estamos bem pertinho do dia de Ibeji, então, vou te dar esses bombons!
— Ibe o quê, tia?
— Pode chamar de Cosme e Damião! Pode pegar, sério.
O menino aceitou, abrindo um sorriso espontâneo e aberto, como apenas uma criança, ou alguém em estado de espirito similar, poderia expressar. Agradeceu e saiu correndo para a mãe.
— O que é isso, menino?
— A tia que deu.
— Peste! Você não tá vendo que aquela pessoa não é de Deus? Ela nem é uma mulher, é um homem! E as guias, não viu? Isso é do Satanás. Joga no lixo agora!
— Mas mãe, eu queria tanto!
— Não podemos dar colher de chá para o inimigo, meu filho. E essa pessoa, tá é amarrada! Um gayzão desses, que Deus me perdoe, andando assim em público, como pode?
— Mas mãe, tenho um coleguinha que os pais são dois homens.
— Filho! Não se aproxime dessas pessoas, vamos já pra casa, hoje temos que orar. E você vai é sair dessa escola, não sabia disso. Você não me contou! Tem que falar tudo pra mãe, entendeu?
E o sorriso, tão largo e farto, se desmanchou. Arrasado, o menino curvou a cabeça e olhou para o chão.
Seria assim por mais alguns anos, triste e vigiado.
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