terça-feira, 1 de novembro de 2016

Zíngara

por Danilo Maia


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Dois estranhos no ônibus, sentados um ao lado do outro por mera casualidade da Vida.

Ela estava lendo um livro chamado "Odisseu", de Márcio Moreira. Ele mexia no celular.

De repente ela interrompeu sua leitura, fechou o livro, exitou, por fim criou coragem e gentilmente lhe pediu um favor. Queria que ele pesquisasse no celular pelo significado de uma palavra que continha no livro e que desconhecia. Ele, desconcertado por aquele pedido, afinal, não se conheciam, e embasbacado pela beleza dela, nada fez.

Ela pediu desculpas pela inconveniência e voltou a atenção para o livro. Ele pediu desculpas pela aparente indiferença e procurou pela palavra e lhe falou o significado da mesma.

- E zíngara? Pode olhar também?
- Esse livro tem tanta palavra diferente assim? - brincou com ela.
- Não. Essa palavra eu vi em outro livro. Só que nunca lembro de pesquisar. Mas como já estou aqui abusando da sua boa vontade... - devolveu a brincadeira.
- "Zíngaro"... adjetivo 1. De cigano ou próprio de cigano; que pertence aos ciganos. Substantivo masculino 2. Indivíduo pertencente aos ciganos. Logo, "zíngara" é o feminino de "zíngaro".

Sorriu pela gentileza dele e por finalmente ter descoberto o significado dessa palavra que já há algum tempo a perseguia. Apenas a sua costumeira falta de memória impedia de ter solucionado esse mistério antes.

- Você tem um olhar de zíngara. - ele falou, porém, com insegurança. Afinal, não tinha certeza s'ela queria conversar.
- Tenho, é?
- Tem.
- Olhar de zíngara, oblíqua e dissimulada? - perguntou para testar os conhecimentos do jovem.
- Com direito a ressaca e tudo! - respondeu, sem pestanejar.
- Ou devo me chamar "Esmeralda"?
- Se for assim, pode me chamar de "Quasímodo", se quiser.

Os dois riram. Sustentaram um olhar por um longo tempo.

Não estavam se encarando, e sim, se perdendo na imensidão de possibilidades que o outro oferecia.

Mas um mesmo pensamento passou pela cabeça dos dois: "Essa nossa história será contada em um livro?"

Um comentário:

Alex Sampa disse...

Amor e literatura. Duvido que essa nova geração saiba quem foi o corcunda de Notre-Dame...