quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Primeiro conto de separação

Clauder Arcanjo
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Casaram-se há poucos meses: Maria e José; namorados e noivos felizes, agora enlaçados para sempre. “Marido e mulher, até que a morte os separe.”

Na festa, íntima, a presença dos familiares e alguns amigos mais próximos. Coisa fechada. Ele, por ser inimigo das grandes comemorações. Ela, a preferir o momento de juras e intimidade entre os seus. Em especial, quando ela estivesse perante Cristo.

Religiosa, e de família católica, Maria escolhera a capela da igrejinha do bairro, local sagrado que sempre frequentara. Ela e os seus antepassados. Seu avô paterno orgulhava-se, cofiando o seu longo bigode branco, de que doara todo o madeiramento do telhado da pequena nave. Sem esquecer de citar que completara as últimas carreiras dos bancos de madeira, quando o pároco já corria descabelado pela sacristia, com receio da missa inicial com a igrejinha incompleta. “Isto não seria agradável ao Senhor!”

Nove da manhã, noivo e noiva, testemunhas e poucos convidados frente ao altar. Padre Roque a conduzir o matrimônio:

No matrimônio, caros irmãos e irmãs, o padre tem mera função auxiliar. Apenas, hoje, mais uma vez, exercerei o meu papel de coadjuvante perante o juramento destes dois.

Silêncio. Lá fora, algumas buzinas e um trinado festivo dos pássaros nas árvores frente à casa paroquial.

— José, aceita como sua legítima esposa...
— Sim, aceito.
— Maria, aceita como seu legítimo esposo...
— Sim, aceito.
— Estão casados, perante Deus e os homens. O noivo pode beijar a noiva — e baixou a cabeça, como se para evitar constranger os nubentes.

Seu Marivaldo, sempre afeito às fanfarras, gritou com sua voz anasalada:
— Viva os noivos!
Ninguém lhe fez coro; apenas se ouviu uma salva de palmas. Palmas contidas, discretas, protocolares.

Os recém-casados desceram do altar e receberam os cumprimentos dos presentes ainda no interior da igrejinha. Na casa paroquial, foi servido um café da manhã. Sem grandes arroubos.

“Coisa fraca e sem muito gosto, apenas para estômagos fracos”; segundo comentário do Seu Marivaldo. Ele, que sonhara com uma champanhota para abrir os festejos naquela sexta-feira, já olhava de esguelha para os pais da noiva. Na certa, julgando-os uns sovinas.

Antes das onze, o sumiço dos noivos. Assim como entraram, saíram. Pela porta da frente. Só que, desta feita, juntos, de braços dados.

Os vizinhos não colheram nos olhos de Maria o viço da paixão. Os rapazes do bairro, um pouco magoados pelo evento fechado, nem sopraram piadas picantes na passagem dos recém-casados.

Fecharam-se na casa nova, presente do pai de José. Um telhado de duas águas, uma varanda na frente, dois quartos, uma cozinha e um quintal que prometia, em razão das mudas plantadas com esmero pela mãe do noivo. Dona Julieta, sempre amiga das flores e dos frutos.

A notícia correu as ruas há menos de mês. De início, de forma discreta e protocolar. Com pouco, num assomo de fúria e como se contado com o ferro quente da vingança. José e Maria não foram mais vistos juntos na missa dominical.

Maria, sozinha, a rezar no banco da frente, com um xale escuro a encobrir a face pálida. Com os olhos postos no madeiro da Cruz. José, de tronco nu e com a face afogueada, a cuidar do quintal durante todas as manhãs de domingo. Agora a sonhar com o trinado festivo dos pássaros nas suas árvores, como no dia do seu enlace matrimonial.

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