terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Diálogo na BR 316

Hermes de Sousa Veras
Ligeiramente sombrio. No mais, consideravelmente feliz e tropical.


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Saíam da aula noturna três ou quatro estudantes. Em verdade, mais do que isso, mas as que escutei a conversa, sem nenhuma vergonha, eram apenas essas. Jovens deslizando pela adolescência, algumas, desembocando na vida adulta.

A faculdade particular encara diariamente a BR 316.

Essas mulheres são resultado de algumas políticas públicas de acesso à educação universitária no país, já em risco. Sabemos que estudar, em qualquer época nessa nação, tem sido uma aventura, frequentemente impossível para grande parte da população.

Atravessaram a rodoviária e quedaram na parada de ônibus.

– Vocês estudaram muito para essa prova?
– Ah, eu fiquei todo dia depois da aula na biblioteca.
– Eu não gosto muito, prefiro estudar na sala de aula. As provas da professora são todas subjetivas.
– Pois não é! Eu nunca consigo escrever mais de uma página. Não gosto ficar enrolando!
– Toda prova dela tem a pergunta: fale como pensa o autor. Eu lá sei o que o autor escreveu!
– Mana, eu nem sei o que eu penso, quanto mais o autor!
– Eu quero saber é o que eu penso, e não o autor! 
– Ora, todos são da educação. Um fala uma coisa, aí vem o outro e fala a mesma coisa só mudando algumas palavras. Aí eu vou ficar decorando o que cada um falou?

Uma delas, a mais jovem, tentando mudar o rumo da conversa e defender a questão da professora, disse:

– Mas não é bem isso. Não é decorar. Ela quer saber se você conseguiu interpretar o texto!
– Ah não, mana! Nem vem. É impossível. Eu prefiro é falar da minha cabeça.
– E mudando de assunto, quer dizer que o fulano vai reprovar?
– Ah, a gente não sabe, ninguém sabe se ele conseguiu uma boa nota na primeira prova. Talvez ele passe.
– Mas a professora até falou que ele é inteligente!
– Então, ela disse que ele pega as coisas rápido. Porém ele falta muita aula, perdeu um bocado de conteúdo!
– É porque ele trabalha.
– Sim, mana, e tu não trabalha? E eu? Esses homens são tudo é frouxo. 
– Mas ele é tipo do exército, sei lá.
– Cansados todos nós estamos, viu?!
– Lá vem o meu ônibus, tchau!

Passou ao meu lado, correndo. Antes, me olhou nos olhos, como acusando-me de transcrever essas falas aparentemente banais.

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