sábado, 21 de janeiro de 2017

Segundo conto de separação

Clauder Arcanjo
clauderarcanjo@gmail.com 


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Nada mais os obrigava a viverem juntos. Anos atrás, decidiram pelo divórcio; Pedro e Paula não tiveram filhos, e tudo, na visão deles, seria mais rápido, simples e fácil.

Na primeira noite, dividiram os pertences: bens e poupança; e acertaram os próximos passos. Em seguida, dormiram, em quartos separados, com uma certa paz de espírito.

Na semana seguinte, foram atropelados pela burocracia dos agentes públicos: mudança do registro do carro, das contas de luz, água, telefone, assinaturas dos periódicos... Sem falar na transferência da propriedade do apartamento e do terreno que haviam adquirido na serra, projeto de uma casa de sítio, lazer sempre postergado.

E foram ficando. Algumas mudanças, claro, ocorreram: não disputavam o banheiro, não ficavam preocupados com os compromissos de um e de outro, não tinham que escolher o filme que assistiriam, juntos, no final de semana. Ele, sempre afeito ao cinema cult europeu; ela, a desejar as românticas películas de mocinhos e bandidos: em especial, as de final feliz.

Contudo, se adoeciam, um socorria o outro. Pedro sabia das alergias medicamentosas de Paula. E Paula cuidava, com zelo de mãe, das orientações do médico de Pedro, no que tange a sua bronquite crônica.

As visitas foram quase totalmente expurgadas. Um não sabia o que o outro reservara. A fim de evitar mal-estares, dissabores ou contratempos, os amigos e parentes eram visitados ou recebidos em “campo neutro”: numa cafeteria, num restaurante, ou algo correspondente.

A casa ganhou, então, uma paz singular. Não brigavam, não havia rasgos de som alto, nem tevês até altas horas da madrugada. Como se os dois entendessem o armistício negociado. Cada qual a prezar o limite e a privacidade do outro. Como se dois bons e civilizados vizinhos.

Um ano depois, Pedro e Paula não mexiam mais uma palha para a consecução da definitiva separação.

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Quando a gata Matilde adoeceu, os dois se revezaram no cuidado do bichano. Sabiam-na idosa e objeto histórico do carinho de ambos.

Dia e noite, revezaram-se no atendimento ao animal de estimação. Afagos, remédios, e frequentes visitas do veterinário. Em vão. A morte fechou os olhos da siamesa.

No enterro de Matilde, o choro comum os levou a um abraço apertado e longo.

Ao retornarem para casa, eles decidiram dormir juntos, no quarto de casal, a fim de espantar a colossal falta de Matilde.

No meio da madrugada, entre um toque e outro — ocasional? — dos corpos, a chama se reacendeu e amaram-se.

— Ó minha bichinha!
— Ó meu bichinho!

De manhã, Pedro e Paula levantaram-se bem cedo e fingiram, sem embaraço, seguir o ritual da longa e infinda separação.

Cada um no seu quarto. Nada mais os obrigava a terem pressa.

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