por Alex Costa - Facebook
coluna: Em cada canto um conto
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Central do Brasil, 14 de abril de 1998.
Ninha,
Tô escrevendo para saber como ‘tão as coisas por aí. Faz uns dias que ando meio cabreiro, já vai inteirar três meses que mandei uma carta pra Guida e ainda espero resposta, mas nada ainda. Sabe dizer se tá tudo bem por lá? Fiquei de voltar aí na semana santa, tô até com um dinheiro junto pra’mode ir mesmo, mas o doutor já disse que vai precisar de mim no feriado. No serviço tá tudo bem. Doutor Paulo é um homem bom demais, que Deus preserve! Me trata mesmo que um filho, Ninha, me tirou lá da fábrica e disse que eu ia trabalhar do lado dele agora, trabalhar andando com ele pra cima e pra baixo. No começo eu estranhei demais, ‘costumado no serviço pesado, que é serviço mesmo, mas agora ‘costumei nesse novo jeito. Dia desses, doutor Paulo cismou de ir no shopping depois do serviço [que é um prédio grande que só tu vendo, Ninha, empestado de loja de tudo quanto pra todo lado] e eu fui com ele. Chegou lá, ele botou a entrar em loja e sair de loja e eu fui pra carregar as sacolas. Aí a gente entrou em uma que tinha umas camisa dessas do pano bom, Ninha, que a mãe fazia pra mim e pro Ricardo, dessas quadriculadas. Parei na frente da vitrine e fiquei olhado, bateu até uma saudade de ganhar uma dessas das mãos de mainha, sabe. Quando dei conta foi doutor Paulo colocando a mão no meu ombro e “escolhe duas pra ti, rapaz... fique à vontade, ande”. Pense numa vergonha grande, Ninha, mas se o homem ‘tava mandando, tinha mesmo era que apanhar. Escolhi duas e tô mandando uma pro Ricardo junto dessa carta, tenho fé que ele vai se agradar. Aí depois dessas compras, a gente foi na casa do doutor, aquela que eu escrevi na carta da Guida, dessas casas estranha daqui, tudo atrepada uma em cima da outra. Nesse dia, doutor Paulo chegou que não se aguentava nem de pé. Quando entrou em casa deu uma suspiração tão forte que tenho pra mim que num fosse eu segurando o homem por trás, o infeliz [com licença da palavra] tinha caído. Pediu pra eu colocar uma dose daquelas bebidas estrangeiras pra ele e outra pra mim, o homem desmoronado no sofá. Mandou eu ir tomar um banho e disse que tinha uma comida na geladeira e que eu podia esquentar, assim eu fiz. Na volta, pense num susto grande que tomei! Doutor Paulo bem-dizer nu em cima do sofá, roupa no chão, copo vazio, o homem estava acabado. Fui devagar perto dele, apanhar a roupa e o copo do chão e não é que o home estava de brincadeira, Ninha! Dormindo nada, me deu foi um susto quando arrancou minha toalha e me deixou mais nu que ele. Pense num susto grande, Ninha. O homem caiu na risada e eu não me aguentei, ri também! Um homem divertido o doutor Paulo, nunca tive patrão que nem esse homem, santo homem trabalhador. Queria contar o resto das doidices de doutor Paulo depois disso, mas tô vendo que a folha aqui já está acabando, Ninha. Mas depois de umas doses o homem me chamou pra morar na casa dele, disse que tem uns quartos lá que ninguém usa e pelo menos eu faria companhia a ele, eu aceitei, Ninha. Pensando bem, que mal tem? O certo é que dou mais sossego a compadre Plínio, já que estava morando na casa dele e, tu sabe como é, Ninha, morando com família dos outros é negócio que não dá muito certo. Me despeço aqui, minha irmã, pedindo desculpas por não poder ir na semana santa, mas a saudade tá grande e doendo no peito. Mas cedo ou tarde eu volto aí, com fé em Deus e Nossa Senhora, eu volto.
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