por Danilo Maia
Twitter: @DaniloTakakara
Coluna: Faça [P]arte de tudo
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ESTE É O EVANGELHO DE JESUIS.
Sim, é "Jesuis" mesmo! Com um "i" depois do "u", por erro de pronúncia do pai e de compreensão ou bom senso do tabelião no ato do registro. E assim ficou.
Jesuis até gostava. Sentia-se especial, apesar do seu nome ser parecido com o nome do Filho do Mandachuva, era único ao mesmo tempo.
Gostava de pensar que guardava outras semelhanças com o Dito Cujo: era magro, alto, barba e cabelos longos. Negro como a noite, adorava dizer que o Outro também não era branco e muito menos tinha olhos azuis. E sempre que entrava nessa discussão com alguém, dizia: "Eu sei o que 'tou falando, rapá. Carrego um nome parecido porque sou chegado do Cara! Ele era negão, sim!", daí, soltava a gargalhada mais estrondosa que podia.
No entanto, Jesuis, diferente do quase homônimo, não resistia à tentação alguma. Ao menor sinal de desejo, se jogava. Se lambuzava e repetia.
Talvez, tivesse só mais uma semelhança com o Escolhido: Jesuis levou muitas mulheres e homens ao Paraíso também.
O meio é que pode ser considerado controverso: Diziam que tinha um pau enorme e grosso e sabia fazer um bom uso dele. Impossível não chegar ao Paraíso depois de provar do que o Cristo Negro oferecia.
Sem distinção de gênero, não importava quem, o que ele gostava mesmo era do prazer que sentia e proporcionava. Em alguns casos, gostava também do dinheiro que recebia de mulheres e homens gratos pelas horas que passavam com o tal.
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Voltando 33 anos, na noite de Natal, nascia Jesuis - daí o seu nome. Só não foi entre cordeiros, vacas, pastores e reis magos. E sim, ratos, baratas, mosquitos e bem possível, sapos. Jesuis nasceu numa palafita. Mal sua mãe sentiu as dores do parto e lá estava o infante estreando no mundo. Sem paciência para esperar.
Foi o único sobrevivente entre outras crianças que nasceram à época. Não teve Herodes para mandar matá-las. A fome, o cólera e tantas outras doenças e situações se encarregaram disso. E ele resistiu, mostrando que seria um sobrevivente. E assim levaria a vida, sobrevivendo.
Rápido como pensamento, o garoto corria pelos pedaços de madeira que ligavam as casas umas às outras e que levavam à terra firme com uma desenvoltura quase assustadora.
Isso o ajudou a fugir das surras constantes do pai quando chegava bêbado em casa; e as da mãe, quando ele ia mal na escola. Por sinal, abandonou tal instituição muito cedo. Não era lugar para ele.
Muito cedo também, percebeu que ia ter que se virar. Ou arranjava "uns corre" pra si ou ficaria para trás.
Contra todas as estatísticas, foi crescendo e sobrevivendo.
Nunca se associou diretamente ao tráfico. Mas transitava pelo Movimento quando necessário.
Preferia sempre pelos pequenos delitos. Coisas com que poderia lidar sozinho e sempre passar despercebido. Alguns pequenos golpes também eram bem-vindos.
Qualquer coisa que fosse considerada ilícita, certeza que Jesuis tinha algum envolvimento.
Porém, de uns tempos pra cá, ele vinha diminuindo a frequência dos seus crimes. Estava apaixonado. Não se sabe se por obra do destino ou do seu Xará, o pilantra conheceu uma moça chamada Madalena, e já havia se encarregado de fazer da mesma a mãe do seu futuro rebento. E, por isso, até havia arranjado um emprego em uma oficina de motos.
No entanto, foi a proposta de um sujeito com nome de anjo que trouxe Jesuis até aqui. Não, não foi Lúcifer.
Gabriel.
O Gabriel disse que seria grana fácil. Normalmente, Jesuis teria recusado, pois sempre suspeitou de grana fácil. Os seus pequenos golpes e delitos, apesar de pequenos, eram muito bem arquitetados. Ele prezava pelo empenho. Grana fácil, para ele, era sinônimo de problema à vista.
No entanto, o Anjo apareceu no pior momento para Jesuis. Com Madalena prestes a dar à luz, Jesuis queria sair das palafitas. Não queria que o seu pequeno e mais sincero milagre nascesse e crescesse nas mesmas condições que ele.
Então, topou o projeto: roubar a casa de um figurão qualquer. Muito dinheiro. Grana fácil.
Chamou dois companheiros para a empreitada e foram.
Mal entraram na casa e um alarme silencioso disparou e todo entorno da residência já estava cercada por seguranças. Com o figurão e a família trancados em um quarto do pânico não daria nem para barganhar as próprias vidas com reféns.
Os seguranças particulares - todos policiais de folga - eram táticos e rápidos. Entraram na casa, desarmaram os invasores, surraram-nos e os levaram para um matagal.
Os bandidos sequer viram o dono da casa.
Gabriel não soube do fim dos bandidos e os mesmos não tinham muito a dizer sobre ele para os seguranças. Apenas o nome.
De nada servia.
Agora, Jesuis jaz no chão com um tiro no meio da testa, o sangue espalhou por toda cabeça coroando o Rei dos Pilantras.
Mas ele não está sozinho. Gera, o segundo ladrão, está caído ao seu lado esquerdo.
Agora chegou a minha vez. Termino o Evangelho de Jesuis segundo eu mesmo, Dimas, o terceiro ladrão. E logo estarei caído ao seu lado direito e, ainda hoje, estarei ceando com ele no Reino dos Céus dos Pilantras.
Amém.
Um comentário:
Uma pegada mais urbana e cínica. Gostei.
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