por Fábio Rabelo Rodrigues
Coluna: Linguagem para Amar e Ruminar
Luso-moçambicano, nascido em
1932, Rui Manuel Correia Knopfli, ou simplesmente Rui Knopfli, desenvolve seu
discurso poético na esteira da grande tradição ocidental. Dono de uma escrita
que ocupa um espaço onde já não se pode ansiar por desejos patrióticos, por se
perceber o autor num momento um tanto quanto crepuscular na história de
Moçambique, resolve-se na construção de um discurso que vai numa maré contrária
à que rema os afamados poetas moçambicanos José Craveirinha e Orlando Mendes.
Knopfli tece uma poética superficialmente sem compromissos e, às vezes,
desacreditada de seu lugar em seu próprio país.
Leitor inveterado, dá-se ao
contato com a grande poesia do ocidente, tomando como suas principais
influências T.S. Eliot, Gerard Manley Hopkins, Willian Carlos Willians, além do
itabirano Carlos Drummond de Andrade.
Sua escrita se assenta,
sobretudo, numa espécie de oralidade declamatória, que pede da leitura que seja
feita em voz alta; e sua matéria parte, essencialmente, do exercício da
contemplação do cotidiano; da cidade de Maputo vista do alto e que espera
comoção; de uma praça por onde trafegam todos os homens, e que constitui imagem
perene dentro do acervo de cenários poéticos do autor; e outrora são certos cães
a latir, rasgando a madrugada, ou qualquer barulho mais cotidiano que começa
por adentrar o poeta; além do que há-de se notar um autêntico distanciamento
dos excessos políticos, que permite a prática de uma despretensiosa crítica das
“posições extremadas” que passam efervescer a sociedade civil, em um país
tomado por nervos exaltados ainda no processo de descolonização que envolvia
todo o continente africano. Knopfli, talvez, traduza um distanciamento próprio
de uma classe média de europeus e descendentes que já não se interessa por
tomar parte nos turbilhões em que vivia o país.
Em Rui Knopfli é possível
perceber que não só de uma política patriótica é que vive a poesia africana da
segunda metade do século XX. E de sua poética se ergue um poeta destacado dos
homens de seu tempo, mas não de sua história.
É a sua linguagem contemporânea,
além do desconhecimento de sua obra no Brasil, que nos inspira esta hora a
trazê-lo à nossa companhia e dividi-lo com nossos pares, neste lugar de
carícias e amores.
No Brasil:
Rui Knopfli - Antologia Poética.
Org: Eugénio Lisboa
Poetas de Moçambique
Editora UFMG
Outros poetas de Moçambique*:
José Craveirinha
Luís Carlos Patraquim
*publicados pela Editora UFMG na
coleção Poetas de Moçambique
Princípio
do dia
Rompe-me o sono um latir de cães
na madrugada. Acordo na antemanhã
de gritos desconexos e sacudo
de mim os restos da noite
e a cinza dos cigarros fumados
na véspera.
Digo adeus à noite sem saudade,
digo bom-dia ao novo dia.
Na mesa o retrato ganha contorno,
digo-lhe bom-dia
e sei que intimamente ele
responde.
Saio para a rua
e vou dizendo bom-dia em surdina
às coisas e pessoas por que
passo.
No escritório digo bom-dia.
Dizem-me bom-dia como quem fecha
uma janela sobre o nevoeiro,
palavras ditas com a epiderme,
som dissonante, opaco, pesado
muro
entre o sentir e o falar.
E bom dia já não é mais a ponte
que eu experimentei levantar.
Calado,
sento-me à secretária, soturno,
desencantado.
(Amanhã volto a experimentar).
O preto no branco
Da granada deflagrada no meio
de nós, do fosso aberto, da vala
intransponível, não nos cabe
a culpa, embora a tua mão,
armada pelo meu silêncio,
he tenha retirado a espoleta.
De um lado o teu dedo indicador,
de outro a minha assumida
neutralidade.
Entre os dois, ocupando o espaço,
que vai do teu dedo acusador
à minha mudez feita de medo e
simpatia,
tudo quanto não quisemos, nem
urdimos,
tudo quanto a medonha zombaria
de ódios estranhos escreve a
sangue
e, irredutivelmente, nos separa e
distancia.
Tudo quanto há-de gravar o meu
nome
numa das balas da tua
cartucheira.
Nessa bala hipotética, nessa bala
possível,
que se vier, quando vier ( ela
há-de vir )
melhor dirá o que aqui fica por
dizer.
3 comentários:
Ganhei um novo universo. Fantástico! E viva Moçambique!
Tentando sair do território europeu-norte americano, confesso conhecer mais a literatura asiática, em detrimento da africana e latino-americana, mas não foi por falta de vontade. Agora, com uma indicação dessa, é bom primeiro passo.
Fábio! És um bamba da poesia. Aguardarei os textos da sua coluna. Fico grato que tenha compartilhado mais um "desconhecido". Gostei do pouco que li. Espero que ele não seja um Ferreira Gullar moçambicano!
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