por CA Ribeiro Neto
Twitter: @caribeironeto
Coluna: Da nossa opção por voar
Já
tinha uns meses que a vida estava difícil, e ele achava que já sofrera o
bastante. Estava na hora da ampulheta virar e começar a contar o tempo da
sorte. Qual a agência reguladora que o governo tem para controlar isso?
Ele
acordou, mas não se levantou. Abriu os olhos para ter certeza de que ali era mesmo
a realidade. E era. Estranhamente o despertador tocou segundos depois, ao invés
do que sempre acontece: ele acordar no susto. Tomou banho sem esbarrar em
nenhuma parede, sem bater a porta do box. Foi tomar café na padaria abaixo da sua
quitinete e o açúcar do pingado estava erradamente na medida certa. Pela
primeira vez desde que percebeu que não tinha saco de fazer café pra si e
passou a tomar o seu ali, ele pôde comer duas empadas: uma de frango com
requeijão e uma de camarão. Eram vendidas rapidamente, mas dessa vez, chegou a
tempo de pegá-las saindo do forno.
Enquanto
isso, não parava de pensar na falta de sorte. É possível tudo dar errado
sempre? Enfim, tinha que trabalhar. Pelo menos estava acontecendo o casamento
da viúva. Uma neblina fina alisava enquanto o sol fraco confortava a pele. Mas
não se percebe isso facilmente, afinal, outro atraso no trabalho seria péssimo.
Porém, o ônibus chegou rápido, não pegou trânsito, nem lotou. Mas tinha que
sentar justamente ao lado de um garoto que lia. Ele pensa que é o destino
esfregando na sua cara que lhe falta mais leitura.
Lembrou
também que tinha uma mania besta de escrever e uma tímida de não mostrar a
ninguém. Ora, João do Rio era um dos maiores escritores de sua época e foi
praticamente esquecido hoje. Quem seria ele para ser lembrado? Quantas pessoas
irão ao seu velório? Por onde a família pensa que ele anda? Cadê a coragem para
tirar essa dúvida, como também para tirar as dúvidas dos seus parentes? Pra
buscar essa coragem ele precisaria sair de sua rotina, mas não deve ser o certo
a si fazer em tempos de azar. Melhor não.
E
ele continua a ocupar seu tempo com devaneios. Sorte é oportunidade? É preciso
estar atento para pegá-la? Se for, ele precisa de novos óculos. Novo ânimo para
agarrá-la. Talvez uma tarrafa. Percebe que está pensando besteiras demais.
Melhor seria estar lendo um livro, pelo menos ocuparia a mente com as reflexões
dos outros.
2 comentários:
A sorte é uma questão de perspectiva: se o olhar é prenhe desse sentido e inclina e ordena os acontecimentos como eivados de boa sorte, como uma espécie de "acumulação de sorte", certamente a pessoa se encontrará nesse estado de contemplação. Isso não é tudo: sorte é escolha, um clichê mesmo, aquela do copo...vazio, cheio. Enfim. É isso. Continue escrevendo.
Isso me lembrou sobre realidade virtual. Bem, talvez esteja assistindo muito South Park
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