por Carlos Vazconcelos
Coluna: Li, comento e sugiro
E foi pensando em liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta,
que não há ninguém que a explique, e ninguém que não entenda, como disse
Cecília Meireles, que compreendi perfeitamente a queixa do pai do meu
amigo. A liberdade começa pela vista, ou melhor, pelo alcance da vista. É
por isso que amamos o mar. Mar é sinônimo de liberdade, é antítese de
limite. Uma vez à beira-mar, já nos sentimos viajantes. O segredo é
levantar os olhos. Antigos marinheiros, mui amantes da liberdade,
inconformados com o infinito, achando pouco o imensurável, atiraram-se
por oceanos nunca dantes navegados e foram além da Taprobana ou do
Bojador. Para eles, liberdade e felicidade eram mais do que uma rima.
Estava criada a expressão além-mar.
Comparo cidade sem mar com casa sem quintal. Limita os movimentos,
suscita a claustrofobia. Toda cidade deveria possuir pelo menos muitas
praças e, se possível, um bosque. Tudo isso traduzido chama-se
liberdade, muito embora liberdade não seja apenas isso.
Nas décadas de 1960 e 1970, filmes de faroeste faziam grande sucesso.
Homens montados em cavalos viviam as mais bravas aventuras, soltos pelas
pradarias, montanhas e vales, sempre a divisar um rio valente ou uma
planície sem fim.
Por que razão tais películas exerciam tão mágico efeito sobre os
espectadores? Acredito que um dos motivos era exatamente a tal
liberdade. Já observaram como a paisagem do Velho Oeste é ampla? Quem
não gostaria de estar na pele do herói, solitário ou não, a varar o
mundo sem preocupação com horário, tempo bom ou ruim? Mesmo sabendo que
nem tudo é bonança na vida do caubói, o público se identifica com a sua
liberdade. O caubói é o sujeito mais livre do mundo e só tem na vida
três compromissos: manter-se vivo, municiar sua arma e alimentar seu
cavalo. O resto vem de sobeja: algumas belas mulheres, o frescor do
riacho de águas límpidas, um novo sol a cada dia e, principalmente, a
paisagem infinita a perder de vista.
Já escafandristas e astronautas não me remetem à liberdade. São
monitorados, controlados, assistidos e dependem de indumentária
complicada. Para respirar, necessitam de aparelhos de oxigênio e de
alguém que os controle. Na maioria das vezes sua paisagem é monótona e
seus movimentos restritos. Não, definitivamente, isso não é liberdade.
Só a paisagem a perder de vista faz a alma se encontrar.
O homem construiu sacadas, torres e mirantes, inventou binóculos e
lunetas, porque entende que a liberdade entra pelos olhos. Mesmo olhos
incapazes de reter a luz flertam, intimamente, com o infinito que traduz
a grande libertação, vislumbre do “reino de Deus” que mora dentro de
nós.
Um dia, a humanidade descobrirá, por certo, que a tão decantada
liberdade só frutifica quando semeada no solo da alma. Quando todo homem
aprender essa lição de liberdade, poderá voar “das cristas do Himalaia
aos píncaros dos Andes” (como disse Castro Alves) e repetir com Chaplin
estas palavras do discurso final de O Grande Ditador:
“Levanta os olhos, Hannah! A alma do homem recebeu asas e finalmente
começou a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Levanta
os olhos, Hannah! Levanta os olhos!”.
Um comentário:
Para que paisagem mais "a perder de vista" do que a alma. Olhar para dentro como somente o cego vê, isso é, olhar como o campesino assiste ao horizonte.
Belíssimo texto.
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