domingo, 19 de abril de 2015

O Cemitério dos Vivos, de Lima Barreto

Lima Barreto é um dos grandes escritores da história da literatura nacional e seus contemporâneos mal sabiam disso. Com pouco reconhecimento enquanto vivo, hoje é sempre lido, até pelos que não têm costume de leitura. Um grande fato que o faz ter esse reconhecimento hoje, é porque ele sempre foi bem ácido e sem preconceitos em sua obra.
Aqui destacamos as últimas obras dele. Durante um tempo, ele foi internado num hospício, por alcoolísmo, e desse momento gerou-se duas obras:
 - Diário do Hospício: uma biografia incrível sobre como  foi seus dias no local.
 - Cemitério dos Vivos: um romance, infelizmente inacabado, livremente inspirado na experiência vivida por ele.

Há 3 publicações para essas obras:




- Os dois juntos - pela Cosac Naify - clique aqui












 - Só o Cemitério dos Vivos - pela Planeta do Brasil - clique aqui










 - E uma edição que junta o Cemitério dos Vivos com o Alienista, de Machado de Assis e com um estudo de Cleto Pontes - pela Armazém da Cultura - clique aqui






Segue abaixo um trecho muito curioso d'O Cemitério dos Vivos, que mostra a humilhação por ele passada, como também seu grau de discernimento.

"A faina não tinha cessado, e fui com outros levado a lavar o banheiro. Depois de lavado o banheiro, intimou-nos o guarda, que era bom espanhol (galego) rústico, a tomar banho. Tínhamos que tirar as roupas e ficarmos, portanto, nus, uns em face dos outros. Quis ver se o guarda me dispensava, não pelo banho em si, mas por aquela nudez desavergonhada, que me repugnava, tanto mais que até de outras dependências me parecia que nos viam. Ele, com os melhores modos, não me dispensou, e não tive remédio: pus-me nu também. Lembrei-me um pouco de Dostoievski, no célebre banho da Casa dos Mortos; mas não havia nada de parecido. Tudo estava limpo e o espetáculo era inocente, de uma traquinada de colegiais que ajustaram
tomar banho em comum. As duchas, principalmente as de chicote, deram-me um prazer imenso e, se fora rico, havia de tê-las em casa. Fazem-me saudades do Pavilhão...

O guarda, como já disse, era um galego baixo, forte, olhar medido, sagaz e bom. Era um primitivo, um campônio, mas nunca o vi maltratar um doente.

A sua sagacidade campônia tinha emprego ali no adivinhar as manhas, planos de fuga dos clientes, e mais maroscas deles; mas, pouco habituado às cousas urbanas, diante daquela maluqueira toda, uniformemente vestida, não sabia distinguir em nenhum deles variantes de instrução e educação; para ele, devia ser o seu pensar, e isto sem maldade, todos ali eram iguais e deviam saber baldear varandas.

Teria para si, sem desprezar nenhum, que aqueles homens todos que para ali iam, eram pobres, humildes como ele e habituados aos misteres mais humildes, senão, iriam diretamente para o Hospício. Não deviam, por conseqüência, vexar-se por executa-los.

Desde lá, não o levei a mal, por ter-me conduzido àquelas baldeações. Estava ele no seu papel, tanto mais que eu não era melhor do que outros a que o Destino me nivelara. Sofri, com resignação e, como já disse, às vezes mesmo com orgulho, o que poderia parecer a outrem humilhação. Esqueci-me da minha instrução, da minha educação, para não demonstrar, com uma inútil insubordinação, como que uma injúria aos meus companheiros de Desgraça. Não reclamei; não reclamo e não reclamarei; conto unicamente."

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