por Clarita Salgado
twitter: @claritasalgado
instagram: @clarita.salgado
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Coluna: Dois minutos de ódio
Geralmente, quando pensamos em distopias
pensamos em algo sério, tenso, dramático, político, profundo, violento e
geralmente com uma pegada forte de ficção científica. E isso faz sentido, se lembrarmos
que as principais obras distópicas tem justamente essas características, como
1984, Admirável Mundo Novo, Fahrenheit 451, Harrison Bergeron, Soylent
Green, etc...
Mas é bom lembrar que o mundo das obras
distópicas é muito vasto. Tanto do ponto de vista do veículo, que pode ser um
romance, um poema, um conto, uma graphic novel, um filme, uma música, um
documentário, às vezes até um livro infantil, quanto do ponto de vista da
linguagem, que pode ser mais dramática, mais poética, mais suave, mais profética,
mais agressiva ou, neste caso, mais engraçada. A obra distópica de hoje foge um
pouco do que se espera, mas surte o mesmo efeito de promover a reflexão. E, de
quebra, faz a gente dar ótimas risadas!
O filme Idiocracia (Idiocracy, 2006) é
uma comédia que conta a história de Joe Bauers
(Luke Wilson), um cara normal, mediano, nem excepcionalmente inteligente
e nem excepcionalmente burro, que fica congelado durante 500 anos por conta de
um experimento com criogenia feito por militares do governo dos Estados Unidos.
Quando ele acorda, a sociedade está bem
diferente, porque ao longo destes 500 anos a humanidade “evoluiu” de tal
maneira que a inteligência média das pessoas diminuiu significativamente, ou
seja, o mundo está bem mais idiota (o que explica o nome do filme, dã!). O
resultado desta transformação é que este cara, que antes era um homem médio,
agora nesta nova realidade é o homem mais inteligente do mundo!
Vamos por partes. Primeiro vamos
entender como a humanidade emburreceu tanto. Logo no início do filme, isto é
explicado numa cena que eu acho simplesmente brilhante! A ideia é super simples,
super precisa e, cá entre nós, eu acho que faz bastante sentido! Eu amo esse
trechinho do filme e vou até colocar aqui pra vocês verem também.
A premissa é simples. Pessoas mais
inteligentes e com formações educacional, acadêmica, intelectual e cultural
mais ricas, tendem a ter menos filhos. Pessoas com um nível intelectual menor
(e aí entra não apenas a inteligência, mas também o acesso à educação e à
cultura) tendem a ter mais filhos. Extrapolando isso geração após geração, a
tendência é haver cada vez menos pessoas inteligentes no mundo, logo, a
tendência é que a inteligência média da humanidade diminua cada vez mais e, num
intervalo de tempo longo o suficiente, o mundo passe a ser povoado por idiotas.
É claro que há uma série de discussões
que caberiam aqui. Sabemos que QI não é sinônimo de inteligência, que
inteligência e acesso à educação não são a mesma coisa, que há diversas formas
diferentes de inteligência, que não há uma relação direta entre capacidade
intelectual e número de filhos, que este assunto é bem mais complexo que isso e
que há um monte de outras variáveis envolvidas, etc e tal. Mas trata-se de um
filme de comédia, então vamos lhe dar a devida licença poética e refletir sobre
as ideias que ele traz. E eu acho que a ideia proposta pelo filme é
genial. Se simplificarmos a análise do assunto, acho que é bem neste caminho
que nós (humanidade) estamos indo mesmo!
Uma vez entendido o processo de
“idiotização” da sociedade, vamos ver como fica a vida do pobre do rapaz. Após
ele acordar sozinho, perdido, desorientado e sem ter a mínima ideia de onde (e
quando) ele está, se mete em altas confusões (Alô, Sessão da Tarde!) e acaba
sendo preso. Na cadeia, ele é submetido a um teste de QI que detecta o fato de
que ele é uma aberração, um homem extraordinariamente inteligente! Inclusive, o
teste de QI aplicado é uma das coisas mais engraçadas do filme!
A partir desta descoberta, ele é
convocado pelo governo americano para assessorar a solução de grandes problemas
sobre os quais ninguém sabe o que fazer, uma vez que ele é tããããoooo
inteligente assim. E o pior é que ele consegue resolver mesmo, porque são
problemas muito simples, que só não são resolvidos mesmo porque o pessoal de lá
é idiota!
A partir daí a trama vai se
desenrolando, as coisas vão acontecendo e o filme não foge muito de um modelo
de roteiro hollywoodiano. Tem a saga do herói, tem o par romântico, tem as
amizades que se constroem pelo caminho, tem a superação de obstáculos, e por aí
vai.
A grande sacada do filme mesmo é a
descrição desta nova realidade, no ano de 2505. A reflexão que o filme nos
propõe deriva da proximidade que a nossa realidade atual já tem com o cenário
retratado, o que existe é apenas uma extrapolação. Se a gente for parar pra
pensar, a poluição, a superpopulação, a qualidade questionável do entretenimento,
a banalização da política, a negligência com a saúde e a alimentação, a
supersimplificação das formas de comunicação, tudo isso já está ao nosso redor,
apenas em um grau menor (será?) do que o retratado no filme.
O filme já tem quase dez anos de lançado
e assistir ele hoje em dia ainda traz o bônus de podermos observar o quanto
daqueles quinhentos anos de emburrecimento nós já caminhamos, o que assusta um
pouquinho mais, mas também enriquece a experiência.
Além de ser uma ótima comédia, de fazer
rir um bocado e descontrair a gente, este é um filme que sugere uma reflexão
importante, necessária e extremamente atual. Que direção nós estamos tomando?
Será que estamos idiotizando coletivamente? Como podemos modificar este rumo
que a sociedade está tomando?
E não são estes os questionamentos que
uma boa distopia deve nos trazer?!
3 comentários:
Curti!
Ressalvas necessárias, que o assunto é polêmico, mas nada mais justo do que tratar uma distopia cômica de forma mais leve - dando algumas liberdades aqui e acolá - sem deixar de absorver a crítica.
Fiquei curioso o suficiente pra procurar ver o filme e reagir à idiocracia à minha própria maneira.
Sim, o filme entrou na minha lista de filmes a assistir! E eu gosto muito de como a autora escreve. Precisamos de mais textos leves na internetÊ
Preciso assistir esse filme! E Clarita, se eu fosse vc repensaria esse negócio de não ter filhos. Imagina só as consequências disto pra o planeta?!
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