terça-feira, 19 de maio de 2015

Limite

por Mario Oliveira
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Coluna: (des)construindo

A noite veio, o sistema acendeu as luzes da cidade. O brilho das luzes noturnas confundia-se com o brilho dos olhos desta moça que hoje perambula entre os empreendedores de rua, que movimentam feira famosa no município. Sim, confundia-se, já que os olhos opacos, de pupilas dilatadas, denunciam o torpor aplicado àquele corpo. Passos tortos entre corredores formados pelos feirantes. A cidade não dorme, não quer dormir. A jovem também não.

Por aparência, a jovem passa dos trinta anos de idade, mas certamente tem menos que isso. O rosto levemente sujo, suado. Os dedos com suas pontas queimadas. Um cachimbo escondido em seu decote. Pés descalços, sujos de lama. Carrega consigo uma bolsa transpassada em seu ombro, como um cantil em meio ao deserto. Os sapatos de salto alto, de marca cobiçada, com seus fechos entrelaçados ao suporte da bolsa. Maquiagem borrada. Já chorou, já gargalhou, já viajou. Continua viajando.

Após cruzar toda a extensão da feira, ela chega ao seu próximo destino: a esquina dos exilados. Homens e mulheres vivem como ratos, todos em busca das pedras filosofais que garantiam as próximas viagens com sua combustão. Todos os tipos de pessoas habitam o local, que os acolhe fortemente, não com a hospitalidade de familiares, mas sim com a força gravitacional de milhões de toneladas. Suga-os para o centro do buraco negro.

Coloca as mãos em sua bolsa e nota que não há dinheiro naquele momento. Mas ela precisa de novo combustível. Argumenta com o vendedor mais próximo e, sem cerimônia ou arrependimento momentâneo, prostitui-se pela primeira vez. Não sentiu nada. A vontade de obter mais forças para continuar sua jornada é mais forte que qualquer pudor. Não há proteções na viagem. Não há retorno.

Os raios de sol começam a iluminar as ruas da feira. Os feirantes começam a recolher seus pertences para descansar após uma exaustiva jornada de trabalho. A cidade, que nunca para, apenas cochila levemente, para acordar em instante imediatamente posterior. Novos personagens ocupam os pontos de ônibus, aguardando suas conduções para um novo turno de trabalho. Todos os pontos estão lotados destes novos atuadores, exceto uma, localizada próxima a já dissipada feira noturna. Em seu banco feito de concreto, nossa jovem dorme. Um seio de fora, com o vestido levantado. Dorme em sobrevivência. Vive, mas não se sabe até quando. Aquele era o limite entre o vício que parecia recreativo para a jovem, mas que tomou suas forças e tornou-se como rédeas, controlando suas ações.

Após o limite, só existe o esquecimento do exílio.

2 comentários:

tesco disse...

É uma realidade sombria que não respeita a luz.
Eu, que tenho olhos ingênuos, nada disso vejo,
mas a sombra não leva em conta esses bocós,
e avança sem interrupção.
Há quem tenha olhos de ver e vê, tem poder de
deter o avanço mas não detém, tem bolso grande,
bem maior que o meu!
Abraço.

CA Ribeiro Neto disse...

Sua crônica é de se encher os olhos!