por Alex Costa
coluna: Em cada canto um conto
Quando
finalmente decidi, ainda hoje pela manhã, que tiraria minha própria vida,
decidi em paralelo que não me acovardaria. Mas o que faria, mesmo, antes? Foi
quando pensei em telefonar a um amigo, contar-lhe sobre a corda que agora vejo
pendurada no caibro mais alto desse quarto sem graça. Como ele mora perto,
decidi não arriscar, pois ele chegaria depressa e correria o risco fatal de
salvar minha vida: ser salvo é o que eu menos preciso neste momento. Foi
quando, em segundo plano, decidi que tinha o dia todo para morrer, e, embora
sombria, sabemos que a Morte não escolhe hora marcada para os que desejam
deitar-se em seus braços magros e ossudos no ápice da juventude – assim suponho.
Decidi, então, às nove e meia da
manhã, que escreveria uma série de cartas para aqueles que eu imaginava que
iriam chorar sobre meu caixão de luxo, no qual minha mãe - perua como ela só -
faria questão de me enterrar. Ah, minha mãe. Juro que se fechar os olhos neste
exato momento consigo vê-la, de vestido preto, com um enorme decote [que,
decerto, quase chega ao umbigo], fingindo enxugar os olhos cagados de maquiagem
preta com um lenço bordado, a alisar meus cabelos loiros e lisos, coloridos
pelo sol das praias cearenses.
Sobre as cartas, escrevi dezessete.
Enderecei-as às minhas mais intensas relações, sendo três delas a inimigos [que
um dia chamei amigos]. Deixei com a missão de entrega-las o amigo Jorge Xavier,
um fato cômico, tendo em vista que Jorge passou no último concurso dos Correios
e trabalha como carteiro, e odeia sua profissão: fica, então, como última
gozação com esse sacana que pega todas as madames ricas e solitárias as quais
lhe oferecem chá da tarde no vai e vem das cartas e envelopes. Ah, Jorge... o
garanhão do “Clube da Prancha”. Mal sabem as menininhas onde Jorge coloca
aquela boquinha de lábios suculentos antes de beija-las, o que espirram em sua
carinha de barba por fazer – eu que o diga. Mas Jorge [ou Jorgeco, para o
macharal do Clube da Prancha] não terá o trabalho de entregar todas essas
cartas, pois queimei-as todas.
Troquei todas essas cartas por este
papel no qual agora escrevo, somente esta lauda que me faz suficiente para
despedida. Deixo-lhes o motivo da minha ida que, decerto, logo dirão que foi
precoce: aos vinte e um anos de idade, a vida não tem mais a mínima graça e
enjoei do mundo faz tempo. Estou disposto e decidido a escrever minhas últimas
duas linhas; eu, que gostei tanto de escrever, tão amante das entrelinhas, e
por isso ofereço-lhes o penúltimo ponto final. A última linha reservo para
descrever somente a brisa suave e gélida que agora entra pela janela aberta do
meu quarto, fazendo a corda balançar num ritmo bamboleante, hipnotizante, tão
convidativo que me apresso em colocar aqui o último ponto final [em mais de um
sentido] em mais de uma dor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário