por Clarita Salgado
twitter: @claritasalgado
instagram: @clarita.salgado
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Coluna: Dois minutos de ódio
O
texto abaixo é uma adaptação de um que foi postado primeiro no meu
blog São Georges < http://saogeorges.blogspot.com.br/
>, mas foi pensado originalmente para aqui, para a coluna Dois
Minutos de Ódio do Vem-Vértebras mesmo, por se tratar da resenha de
uma obra distópica originalíssima e sensacional!
Apenas
para contextualizar quem está lendo, é importante esclarecer que
eu, Clarita Salgado, sou baiana, soteropolitana, bairrista e
apaixonada pela minha terra, o que pode explicar alguns arroubos
emocionais do texto. ;)
Entre
os dias 27 e 30 de agosto aconteceu em Salvador o evento Primavera da
Libre. Para quem não sabe, LIBRE é a sigla de
Liga Brasileira de Editoras. O
evento consistiu de algumas palestras, oficinas e mesas de debate
sobre assuntos relacionados a livros, literatura e mercado editorial
em geral. Além disso, tinha uma maravilhosa feira de livros com
participação de várias editoras bacanas, tanto locais quanto
nacionais, e alguns descontos bastante generosos!
O
lugar que sediou o evento, o MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia,
é lindo! Fica estrategicamente localizado no Solar do Unhão, um
local com uma vista incrível da Baía de Todos os Santos e de onde
se tem umas das paisagens de pôr do sol mais lindas da cidade de
Salvador (que, cá entre nós, eu amo muito mesmo!). Por conta de
tudo isso, eu não poderia deixar de ir lá dar uma conferida no
evento!
Fui
lá na sexta-feira, dia 28 de agosto, e passei uma tarde deliciosa!
Primeiro de tudo, antes mesmo de chegar à feira propriamente dita,
parei no mirante do Solar do Unhão pra dar uma namorada na vista
linda do céu e do mar, num dia em que São Pedro estava
particularmente inspirado! Depois fiz uma boquinha e fui à
feira de livros paquerar os livros, as editoras, as exposições, os
descontos e, como não podia deixar de ser, exercitar o meu vício de
comprar livros e deixar por lá um pouco do meu rico escasso
dinheirinho.
Lá
na feira, encontrei com uma amiga querida que é representante de uma
editora e com quem tive o prazer de sentar ao sol e bater um papo
delicioso à beira da Baía de Todos os Santos! Um papo divertido,
cheio de planos mirabolantes, com uma vista linda, um ventinho
gostoso do mar e uma companhia maravilhosa já deveriam ser
suficientes para me realizar, né?! Mas o melhor ainda estava por
vir. E lá fui eu para a atração da tarde!
(Da
esquerda para a direita: Gil Veloso, Victor Mascarenhas e James
Martins.)
O
tema da mesa redonda era “Literatura Urbana e Contemporânea” e
os convidados eram Gil Veloso, Victor Mascarenhas e James Martins.
Tenho que reconhecer a minha ignorância e admitir que ainda não
conhecia nenhum dos três, mas valeu muito a pena ter a chance de
conhecê-los, porque, olha, que papo legal, viu?! O debate foi super
divertido, a dinâmica entre os três foi ótima e a plateia, apesar
de pequenininha, teve uma participação também muito interessante!
E deu pra ser apresentada a projetos interessantíssimos que eu ainda
não conhecia! Ponto pra organização do evento!
Ao
longo desse debate / mesa redonda / bate-papo, surgiu o meu grande
interesse do evento, o foco real desse texto: o livro
Xing Ling Made In China, de Victor Mascarenhas, publicado
pela Editora
Solisluna,
uma editora baiana massa.
Na
medida em que ele ia falando sobre o seu livro, eu ia ficando cada
vez mais encantada com a ideia, super curiosa para ler e,
principalmente, intrigadíssima por nunca ter ouvido falar dele, já
que se trata de um autor da minha maravilhosa terrinha. E ele ganhou
de vez o meu coração quando disse que seus livros não são
escritos em português, mas em baianês, que é o meu verdadeiro
idioma materno!
Quando
acabou o debate, perguntei se ele esperava eu ir comprar o livro e
voltar para ele assinar e ele, simpaticíssimo, me surpreendeu
aparecendo lá na fila do caixa e dizendo “Autógrafo
delivery!”
dá pra não ficar fã de um autor tão legal com seus leitores?
Assim, levei pra casa o meu livro novinho, lindo e devidamente
autografado, como ele próprio escreveu, "Um
xing ling com certificado de garantia do autor".
Então
vamos ao livro!
Pela
quantidade de post-its que eu gastei marcando as passagens legais, já
dá pra imaginar o quanto eu adorei, né? É claro que uma parcela
desse encantamento tem a ver com o meu bairrismo e com o fato de a
história ser, além de tudo, uma grande declaração de amor a
Salvador, mas o fato de ser uma distopia, o meu gênero literário
favoritíssimo da vida, também serviu para amolecer o meu coração!
O
livro se passa num futuro sem data especificada, em Salvador. Nessa
época, a China já se tornou a super potência econômica dominante
em todo o planeta e o chamado “primeiro mundo” já ficou para
trás. A dinâmica desse rearranjo global não é abordada com tanta
profundidade, mas parte-se da premissa de que a China dilacerou a
economia dos seus concorrentes inundando o mundo com produtos
falsificados, de qualidade questionável e preços de quebrar a
concorrência.
Se
a gente parar pra pensar, isso já está acontecendo! É só dar uma
voltinha pelas galerias da Avenida 25 de Março, no centro de São
Paulo, ou da Avenida Sete de Setembro, em Salvador (ou em qualquer
outro centro de comércio popular equivalente em outras grandes
cidades do Brasil), para ver a enormidade da presença de imigrantes
chineses vendendo coisas de qualidade dúbia e preço super atraente,
com caras, estilos e sotaques que certamente estão modificando o
cenário por aqui. Sim, os xing ling’s made in china do título do
livro já existem e já estão começando a dominar tudo!
Uma
vez estabelecida a hegemonia chinesa na economia mundial, começa a
descrição de um cenário ficcional distópico, em que grandes
corporações chinesas se apropriam de pontos turísticos chave em
diversas partes do mundo, adaptando-os para parques temáticos
inspirados nas suas atrações culturais locais originais e
transformando o turismo em uma experiência plastificada,
pasteurizada e de autenticidade questionável.
A
história acontece no Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador,
uma área que hoje em dia já é inundada de turistas, mas que nesse
cenário é um parque temático à la Disney World chamado “Terra
da Felicidade”, onde o som dos atabaques foi substituído por
percussão sampleada, as imagens centenárias dos santos foram
substituídas por réplicas de plástico, as manifestações
religiosas tanto do catolicismo quanto do candomblé são
interpretadas por atores e figurantes, a segurança é feita por
policiais vestidos de baiana (com direito a turbante e colares!) e
aonde os turistas estrangeiros vão para viver a experiência da
“baianidade”.
Uma
pequena parcela de soteropolitanos ricos e privilegiados vive isolada
dentro de condomínios fechados dotados de fortíssimos esquemas de
segurança, onde permanecem ilhados com direito a moradia, trabalho,
escola, saúde e lazer, tudo ali dentro mesmo, sem a necessidade de
sair e correr os riscos de interagir com a Salvador de verdade. No
que sobra entre os muros do complexo turístico "Terra da
Felicidade" e as grades dos condomínios, vive a maior parte da
população soteropolitana, pobre, esquecida, sem estrutura ou
serviços básicos e tendo que se virar para viver, por meio de
bicos, subempregos, contrabando, tráfico, prostituição e
~esquemas~ dos mais variados tipos.
(Agora me diga se esse cenário não é dolorosamente parecido com a realidade atual de quase qualquer metrópole brasileira? Quando eu falo que distopia é uma alerta sobre a realidade!)
Os
policiais-baiana responsáveis pela segurança do complexo, assim
como todos os que trabalham no “Terra da Felicidade” tem suas
mentes controladas por chips implantados pelos chineses que
administram o parque e são inteiramente dominados, sem senso crítico
ou livre arbítrio. A história é contada do ponto de vista de
Ueslei, um desses guarda-baiana, que, por algum motivo, tem um chip
defeituoso e, portanto, um olhar altamente crítico sobre aquela
experiência toda! Há também um grupo revolucionário que quer
tomar posse do parque e devolver o Pelourinho ao povo soteropolitano;
uma droga que desativa os chips controladores e abre a mente de quem
a toma; um evento marcante em pleno dia 2 de julho e um monte de
referências às grandes distopias clássicas, para os fãs de
distopias como eu se deliciarem!
A
deliciosa mistura de local e global, clássico e contemporâneo,
crítica e otimismo, questionamento e sátira, referências reais e
ficcionais, faz o livro ser uma experiência de leitura maravilhosa,
justamente por ser como a Bahia, uma enorme mistura humana complexa,
rica e encantadora! Eu ri, eu me emocionei, eu fiquei tensa, mas
principalmente, eu me senti intensamente representada naquelas
páginas, tanto no meu grande amor à cidade de Salvador, quanto na
minha grande preocupação com o que está acontecendo e o que vai
acontecer com ela – e não só com ela, mas com a identidade
cultural local de qualquer lugar.
Acho
que, para quem conhece e ama a Bahia, o livro tem um apelo todo
especial ao coração, mas a mensagem que ele traz é universal e
extremamente atual! A dicotomia entre universalizar a cultura e ao
mesmo tempo preservar as peculiaridades locais é muito interessante
e este debate é extremamente necessário na nossa realidade
globalizada do século XXI.
Enquanto
eu lia, ficava cada vez mais abismada com o fato de um livro tão
interessante, tão original não ter sido ostensivamente divulgado!
Então resolvi fazer a pequena parte que me cabe, escrever sobre ele
por aqui e torcer para que esse texto chegue ao máximo possível de
pessoas para que elas comprem, leiam, se divirtam, se encantem e
vivam a experiência deliciosa que eu vivi!
Pensando
em aumentar esse alcance e lembrando na quantidade enorme de gente
que eu sei que iria curtir essa experiência literária tanto quanto
eu, cheguei a pensar em ir lá na editora comprar um monte de
exemplares para presentear várias pessoas, mas por motivo$ de força
maior, não deu.
Para
não deixar passar em branco essa minha descoberta e também para
fazer uma gracinha para o meu... er... bem... ahm... público cativo,
resolvi ir a uma livraria e gastar um pouco do meu suado dinheirinho
em um exemplar novinho, bonitinho, embaladinho no plástico e tudo
mais, para fazer um sorteio! O sorteio está acontecendo lá no meu
blog, o São Georges, então eu recomendo uma passadinha por lá <
http://saogeorges.blogspot.com.br/2015/09/admiravel-dende-novo.html
> para ter a chance de ganhar esse sensacional presente e curtir
essa leitura deliciosa tanto quanto eu curti!
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