domingo, 13 de setembro de 2015

Admirável Dendê Novo



O texto abaixo é uma adaptação de um que foi postado primeiro no meu blog São Georges < http://saogeorges.blogspot.com.br/ >, mas foi pensado originalmente para aqui, para a coluna Dois Minutos de Ódio do Vem-Vértebras mesmo, por se tratar da resenha de uma obra distópica originalíssima e sensacional!

Apenas para contextualizar quem está lendo, é importante esclarecer que eu, Clarita Salgado, sou baiana, soteropolitana, bairrista e apaixonada pela minha terra, o que pode explicar alguns arroubos emocionais do texto. ;)

Entre os dias 27 e 30 de agosto aconteceu em Salvador o evento Primavera da Libre. Para quem não sabe, LIBRE é a sigla de Liga Brasileira de Editoras. O evento consistiu de algumas palestras, oficinas e mesas de debate sobre assuntos relacionados a livros, literatura e mercado editorial em geral. Além disso, tinha uma maravilhosa feira de livros com participação de várias editoras bacanas, tanto locais quanto nacionais, e alguns descontos bastante generosos!

O lugar que sediou o evento, o MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia, é lindo! Fica estrategicamente localizado no Solar do Unhão, um local com uma vista incrível da Baía de Todos os Santos e de onde se tem umas das paisagens de pôr do sol mais lindas da cidade de Salvador (que, cá entre nós, eu amo muito mesmo!). Por conta de tudo isso, eu não poderia deixar de ir lá dar uma conferida no evento!


Fui lá na sexta-feira, dia 28 de agosto, e passei uma tarde deliciosa! Primeiro de tudo, antes mesmo de chegar à feira propriamente dita, parei no mirante do Solar do Unhão pra dar uma namorada na vista linda do céu e do mar, num dia em que São Pedro estava particularmente inspirado! Depois fiz uma boquinha e fui à feira de livros paquerar os livros, as editoras, as exposições, os descontos e, como não podia deixar de ser, exercitar o meu vício de comprar livros e deixar por lá um pouco do meu rico escasso dinheirinho. 

Lá na feira, encontrei com uma amiga querida que é representante de uma editora e com quem tive o prazer de sentar ao sol e bater um papo delicioso à beira da Baía de Todos os Santos! Um papo divertido, cheio de planos mirabolantes, com uma vista linda, um ventinho gostoso do mar e uma companhia maravilhosa já deveriam ser suficientes para me realizar, né?! Mas o melhor ainda estava por vir. E lá fui eu para a atração da tarde!


(Da esquerda para a direita: Gil Veloso, Victor Mascarenhas e James Martins.) 

O tema da mesa redonda era “Literatura Urbana e Contemporânea” e os convidados eram Gil Veloso, Victor Mascarenhas e James Martins. Tenho que reconhecer a minha ignorância e admitir que ainda não conhecia nenhum dos três, mas valeu muito a pena ter a chance de conhecê-los, porque, olha, que papo legal, viu?! O debate foi super divertido, a dinâmica entre os três foi ótima e a plateia, apesar de pequenininha, teve uma participação também muito interessante! E deu pra ser apresentada a projetos interessantíssimos que eu ainda não conhecia! Ponto pra organização do evento!


Ao longo desse debate / mesa redonda / bate-papo, surgiu o meu grande interesse do evento, o foco real desse texto: o livro Xing Ling Made In China, de Victor Mascarenhas, publicado pela Editora Solisluna, uma editora baiana massa.

Na medida em que ele ia falando sobre o seu livro, eu ia ficando cada vez mais encantada com a ideia, super curiosa para ler e, principalmente, intrigadíssima por nunca ter ouvido falar dele, já que se trata de um autor da minha maravilhosa terrinha. E ele ganhou de vez o meu coração quando disse que seus livros não são escritos em português, mas em baianês, que é o meu verdadeiro idioma materno!

Quando acabou o debate, perguntei se ele esperava eu ir comprar o livro e voltar para ele assinar e ele, simpaticíssimo, me surpreendeu aparecendo lá na fila do caixa e dizendo “Autógrafo delivery! dá pra não ficar fã de um autor tão legal com seus leitores? Assim, levei pra casa o meu livro novinho, lindo e devidamente autografado, como ele próprio escreveu, "Um xing ling com certificado de garantia do autor".

Então vamos ao livro!

Pela quantidade de post-its que eu gastei marcando as passagens legais, já dá pra imaginar o quanto eu adorei, né? É claro que uma parcela desse encantamento tem a ver com o meu bairrismo e com o fato de a história ser, além de tudo, uma grande declaração de amor a Salvador, mas o fato de ser uma distopia, o meu gênero literário favoritíssimo da vida, também serviu para amolecer o meu coração!

O livro se passa num futuro sem data especificada, em Salvador. Nessa época, a China já se tornou a super potência econômica dominante em todo o planeta e o chamado “primeiro mundo” já ficou para trás. A dinâmica desse rearranjo global não é abordada com tanta profundidade, mas parte-se da premissa de que a China dilacerou a economia dos seus concorrentes inundando o mundo com produtos falsificados, de qualidade questionável e preços de quebrar a concorrência.

Se a gente parar pra pensar, isso já está acontecendo! É só dar uma voltinha pelas galerias da Avenida 25 de Março, no centro de São Paulo, ou da Avenida Sete de Setembro, em Salvador (ou em qualquer outro centro de comércio popular equivalente em outras grandes cidades do Brasil), para ver a enormidade da presença de imigrantes chineses vendendo coisas de qualidade dúbia e preço super atraente, com caras, estilos e sotaques que certamente estão modificando o cenário por aqui. Sim, os xing ling’s made in china do título do livro já existem e já estão começando a dominar tudo!

Uma vez estabelecida a hegemonia chinesa na economia mundial, começa a descrição de um cenário ficcional distópico, em que grandes corporações chinesas se apropriam de pontos turísticos chave em diversas partes do mundo, adaptando-os para parques temáticos inspirados nas suas atrações culturais locais originais e transformando o turismo em uma experiência plastificada, pasteurizada e de autenticidade questionável.

A história acontece no Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador, uma área que hoje em dia já é inundada de turistas, mas que nesse cenário é um parque temático à la Disney World chamado “Terra da Felicidade”, onde o som dos atabaques foi substituído por percussão sampleada, as imagens centenárias dos santos foram substituídas por réplicas de plástico, as manifestações religiosas tanto do catolicismo quanto do candomblé são interpretadas por atores e figurantes, a segurança é feita por policiais vestidos de baiana (com direito a turbante e colares!) e aonde os turistas estrangeiros vão para viver a experiência da “baianidade”.

Uma pequena parcela de soteropolitanos ricos e privilegiados vive isolada dentro de condomínios fechados dotados de fortíssimos esquemas de segurança, onde permanecem ilhados com direito a moradia, trabalho, escola, saúde e lazer, tudo ali dentro mesmo, sem a necessidade de sair e correr os riscos de interagir com a Salvador de verdade. No que sobra entre os muros do complexo turístico "Terra da Felicidade" e as grades dos condomínios, vive a maior parte da população soteropolitana, pobre, esquecida, sem estrutura ou serviços básicos e tendo que se virar para viver, por meio de bicos, subempregos, contrabando, tráfico, prostituição e ~esquemas~ dos mais variados tipos.

(Agora me diga se esse cenário não é dolorosamente parecido com a realidade atual de quase qualquer metrópole brasileira? Quando eu falo que distopia é uma alerta sobre a realidade!)

Os policiais-baiana responsáveis pela segurança do complexo, assim como todos os que trabalham no “Terra da Felicidade” tem suas mentes controladas por chips implantados pelos chineses que administram o parque e são inteiramente dominados, sem senso crítico ou livre arbítrio. A história é contada do ponto de vista de Ueslei, um desses guarda-baiana, que, por algum motivo, tem um chip defeituoso e, portanto, um olhar altamente crítico sobre aquela experiência toda! Há também um grupo revolucionário que quer tomar posse do parque e devolver o Pelourinho ao povo soteropolitano; uma droga que desativa os chips controladores e abre a mente de quem a toma; um evento marcante em pleno dia 2 de julho e um monte de referências às grandes distopias clássicas, para os fãs de distopias como eu se deliciarem!

A deliciosa mistura de local e global, clássico e contemporâneo, crítica e otimismo, questionamento e sátira, referências reais e ficcionais, faz o livro ser uma experiência de leitura maravilhosa, justamente por ser como a Bahia, uma enorme mistura humana complexa, rica e encantadora! Eu ri, eu me emocionei, eu fiquei tensa, mas principalmente, eu me senti intensamente representada naquelas páginas, tanto no meu grande amor à cidade de Salvador, quanto na minha grande preocupação com o que está acontecendo e o que vai acontecer com ela – e não só com ela, mas com a identidade cultural local de qualquer lugar.

Acho que, para quem conhece e ama a Bahia, o livro tem um apelo todo especial ao coração, mas a mensagem que ele traz é universal e extremamente atual! A dicotomia entre universalizar a cultura e ao mesmo tempo preservar as peculiaridades locais é muito interessante e este debate é extremamente necessário na nossa realidade globalizada do século XXI.

Enquanto eu lia, ficava cada vez mais abismada com o fato de um livro tão interessante, tão original não ter sido ostensivamente divulgado! Então resolvi fazer a pequena parte que me cabe, escrever sobre ele por aqui e torcer para que esse texto chegue ao máximo possível de pessoas para que elas comprem, leiam, se divirtam, se encantem e vivam a experiência deliciosa que eu vivi!

Pensando em aumentar esse alcance e lembrando na quantidade enorme de gente que eu sei que iria curtir essa experiência literária tanto quanto eu, cheguei a pensar em ir lá na editora comprar um monte de exemplares para presentear várias pessoas, mas por motivo$ de força maior, não deu.


Para não deixar passar em branco essa minha descoberta e também para fazer uma gracinha para o meu... er... bem... ahm... público cativo, resolvi ir a uma livraria e gastar um pouco do meu suado dinheirinho em um exemplar novinho, bonitinho, embaladinho no plástico e tudo mais, para fazer um sorteio! O sorteio está acontecendo lá no meu blog, o São Georges, então eu recomendo uma passadinha por lá < http://saogeorges.blogspot.com.br/2015/09/admiravel-dende-novo.html > para ter a chance de ganhar esse sensacional presente e curtir essa leitura deliciosa tanto quanto eu curti!

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