por Danilo Maia
Coluna: Faça [P]arte de tudo
Ele
se aproximou com o seu costumeiro ar superior. Roçou o corpo na minha perna como
se fosse por acidente. Miou baixinho e olhou pra mim fingindo surpresa. Quase
falando “Nossa, você estava aí?! Nem tinha visto”. Olhei de volta e lhe dei o
meu mais amável sorriso. Pronto, a primeira batalha já estava ganha. A partir
de agora, tinha a minha atenção e tiraria o máximo de proveito possível.
- Faz
um carinho. – pedia enquanto se esticava todo em cima do sofá que acabara de
subir.
- ‘Tou
ocupado. Tenho que escrever uns textos aqui.
- ‘Cê
faz isso outra hora. Faz um carinho em mim. – havia muita determinação naquele
único olhinho.
Fiz
um cafuné apressado, disse duas ou três palavrinhas carinhosas e voltei ao
computador.
Ele
parecia ter dado por satisfeito. Ou, pelo menos, esse era o meu desejo. Afinal,
eu precisava de silêncio para escrever.
Ele
pulou de volta para o chão e se manteve entretido com uma semente de algo que
estava perdida embaixo da estante. Mas dali a uns instantes, a semente já não
tinha graça e ele estava de volta no sofá, olhando para mim.
- Que
foi? – perguntei seco.
- Nada.
– respondeu também seco.
- E por
que ‘tá me olhando? – perguntei desafiador.
- Eu
olho para onde eu quiser. – respondeu atrevido.
- Você
deveria ser mais educado comigo. Sou seu pai. – falei sério.
Abanou o rabo e fingiu não ouvir o
meu protesto.
Ignorei
e voltei minha atenção para o computador e para o texto que precisava ser
escrito.
Ele, com seu rabo gingando leve,
pulou para cima da mesa em que se encontrava o PC, se aproximou do mouse e esticou a pata, ameaçando
bater-lhe. Fingi que não via e continuei a digitar. Com a pata tremendo de
excitação, tocou o mouse. Permaneci
digitando e ignorando. Bateu com mais força até tirá-lo do lugar.
- Para
com isso, menino! – briguei para dar-lhe o prazer de ser traquinas.
Saiu da mesa e voltou ao chão.
Deitou-se com as pernas abertas e
começou a lamber a própria barriga. Parei de escrever e olhei para ele.
- Por
que ‘cê ‘tá me olhando? – perguntou demonstrando aborrecimento.
- Eu
olho para onde eu quiser. – me vinguei mais cedo do que imaginava.
De um jeito muito formal e honroso,
parou de lamber-se, levantou-se e saiu.
Pouco depois, ouvi o barulho de
alguma coisa caindo no chão e da minha cadeira mesmo gritei para ele parar de
bagunça.
Como se tivesse se materializado, já
estava do meu lado.
Peguei-o e o coloquei sobre minhas
pernas. Fiz cafuné, puxei o seu rabo, beijei, falei com voz fininha, miei de
volta para ele e o apertei bastante.
- Até
qu’eu gosto de você. – disse-me entre ronronados e risadas.
- Você
também não é nada mal. – respondi fingindo indiferença.
Parou de ronronar no mesmo instante.
Mas não recusou os carinhos qu’eu fazia.
Quase
voando, saiu das minhas pernas e já estava novamente sobre o sofá. Uma mosca
voava baixo e ele encarou aquilo como um desafio. Ela pousara na parede e ele
pulava tentando alcançá-la. Por fim, achou a mosca desinteressante e começou a
lamber a própria pata. Desconfio que era um ardil, esperando que a mosca voasse
baixo outra vez.
No
entanto, sua mãe fez um barulho lá no jardim e ele foi ver o qu’ela fazia.
Provavelmente, ameaçaria bater nas orquídeas só para ter a atenção da mãe
também.
-
Trouxe para você.
Disse
e depositou a barata quase morta, próximo aos meus pés. Dei um pulo da cadeira
e briguei com ele. Passei um sermão daqueles sobre não trazer bicho morto pra
dentro de casa. Corri até o banheiro, peguei papel e apanhei a barata, cheio de
nojo. Joguei no lixo e voltei.
Ele,
não fazendo nenhuma questão de esconder sua cara de ofendido, saiu novamente de
perto. A única coisa que tive tempo de ver foi seu rabo agitando no ar.
Finalmente
teria a paz que precisava para escrever.
- Vamo’
brincar?
Pediu
num miado sapeca e quase me matando de susto, pois eu não sabia qu’ele já
estava do meu lado novamente!
-
Menino!! Quer me matar? – perguntei colocando a mão no peito para deixar claro
que havia me assustado.
- Não.
– respondeu parecendo não dar a mínima para todo o teatro qu’eu fazia naquele
momento. - Quero brincar. Vamo’?
Não tinha jeito. Levantei, peguei a
varetinha com um barbante amarrado na ponta que, por sua vez, possuía um penacho
em sua ponta, e fui para a cama.
Agitava a vareta para um lado e para
o outro. E ele, célere, corria também de um lado para o outro tentando
alcançá-la. Agitava, erguia, arrastava...
Ríamos dessa brincadeira boba. Eu já
havia até esquecido do texto e realmente me divertia com aquela brincadeira.
De repente, ele parou, olhou para o
lado e desceu da cama.
-
Pr’aonde vai? – perguntei.
- Não
quero mais brincar. – respondeu.
Derrotado, voltei ao PC.
Enquanto
escrevo, vejo-o correr pela casa, deitar, dormir, morder, miar, arranhar... Há
pouco, gritava para marinheiros invisíveis erguerem as velas e puxarem as
âncoras. Provavelmente, naquele instante, ele era um pirata.
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