terça-feira, 1 de setembro de 2015

Pirata

por Danilo Maia 
Coluna: Faça [P]arte de tudo


Ele se aproximou com o seu costumeiro ar superior. Roçou o corpo na minha perna como se fosse por acidente. Miou baixinho e olhou pra mim fingindo surpresa. Quase falando “Nossa, você estava aí?! Nem tinha visto”. Olhei de volta e lhe dei o meu mais amável sorriso. Pronto, a primeira batalha já estava ganha. A partir de agora, tinha a minha atenção e tiraria o máximo de proveito possível.

- Faz um carinho. – pedia enquanto se esticava todo em cima do sofá que acabara de subir.
- ‘Tou ocupado. Tenho que escrever uns textos aqui.
- ‘Cê faz isso outra hora. Faz um carinho em mim. – havia muita determinação naquele único olhinho.

Fiz um cafuné apressado, disse duas ou três palavrinhas carinhosas e voltei ao computador.
Ele parecia ter dado por satisfeito. Ou, pelo menos, esse era o meu desejo. Afinal, eu precisava de silêncio para escrever.
Ele pulou de volta para o chão e se manteve entretido com uma semente de algo que estava perdida embaixo da estante. Mas dali a uns instantes, a semente já não tinha graça e ele estava de volta no sofá, olhando para mim.

- Que foi? – perguntei seco.
- Nada. – respondeu também seco.
- E por que ‘tá me olhando? – perguntei desafiador.
- Eu olho para onde eu quiser. – respondeu atrevido.
- Você deveria ser mais educado comigo. Sou seu pai. – falei sério.

        Abanou o rabo e fingiu não ouvir o meu protesto.
Ignorei e voltei minha atenção para o computador e para o texto que precisava ser escrito.
     Ele, com seu rabo gingando leve, pulou para cima da mesa em que se encontrava o PC, se aproximou do mouse e esticou a pata, ameaçando bater-lhe. Fingi que não via e continuei a digitar. Com a pata tremendo de excitação, tocou o mouse. Permaneci digitando e ignorando. Bateu com mais força até tirá-lo do lugar.

- Para com isso, menino! – briguei para dar-lhe o prazer de ser traquinas.

        Saiu da mesa e voltou ao chão.
      Deitou-se com as pernas abertas e começou a lamber a própria barriga. Parei de escrever e olhei para ele.

- Por que ‘cê ‘tá me olhando? – perguntou demonstrando aborrecimento.
- Eu olho para onde eu quiser. – me vinguei mais cedo do que imaginava.

      De um jeito muito formal e honroso, parou de lamber-se, levantou-se e saiu.
       Pouco depois, ouvi o barulho de alguma coisa caindo no chão e da minha cadeira mesmo gritei para ele parar de bagunça.
        Como se tivesse se materializado, já estava do meu lado.
      Peguei-o e o coloquei sobre minhas pernas. Fiz cafuné, puxei o seu rabo, beijei, falei com voz fininha, miei de volta para ele e o apertei bastante.

- Até qu’eu gosto de você. – disse-me entre ronronados e risadas.
- Você também não é nada mal. – respondi fingindo indiferença.

        Parou de ronronar no mesmo instante. Mas não recusou os carinhos qu’eu fazia.
Quase voando, saiu das minhas pernas e já estava novamente sobre o sofá. Uma mosca voava baixo e ele encarou aquilo como um desafio. Ela pousara na parede e ele pulava tentando alcançá-la. Por fim, achou a mosca desinteressante e começou a lamber a própria pata. Desconfio que era um ardil, esperando que a mosca voasse baixo outra vez.
No entanto, sua mãe fez um barulho lá no jardim e ele foi ver o qu’ela fazia. Provavelmente, ameaçaria bater nas orquídeas só para ter a atenção da mãe também.

- Trouxe para você.

Disse e depositou a barata quase morta, próximo aos meus pés. Dei um pulo da cadeira e briguei com ele. Passei um sermão daqueles sobre não trazer bicho morto pra dentro de casa. Corri até o banheiro, peguei papel e apanhei a barata, cheio de nojo. Joguei no lixo e voltei.
Ele, não fazendo nenhuma questão de esconder sua cara de ofendido, saiu novamente de perto. A única coisa que tive tempo de ver foi seu rabo agitando no ar.
Finalmente teria a paz que precisava para escrever.

- Vamo’ brincar?

Pediu num miado sapeca e quase me matando de susto, pois eu não sabia qu’ele já estava do meu lado novamente!

- Menino!! Quer me matar? – perguntei colocando a mão no peito para deixar claro que havia me assustado.
- Não. – respondeu parecendo não dar a mínima para todo o teatro qu’eu fazia naquele momento. - Quero brincar. Vamo’?

       Não tinha jeito. Levantei, peguei a varetinha com um barbante amarrado na ponta que, por sua vez, possuía um penacho em sua ponta, e fui para a cama.
        Agitava a vareta para um lado e para o outro. E ele, célere, corria também de um lado para o outro tentando alcançá-la. Agitava, erguia, arrastava...
    Ríamos dessa brincadeira boba. Eu já havia até esquecido do texto e realmente me divertia com aquela brincadeira.
        De repente, ele parou, olhou para o lado e desceu da cama.

- Pr’aonde vai? – perguntei.
- Não quero mais brincar. – respondeu.

        Derrotado, voltei ao PC.

Enquanto escrevo, vejo-o correr pela casa, deitar, dormir, morder, miar, arranhar... Há pouco, gritava para marinheiros invisíveis erguerem as velas e puxarem as âncoras. Provavelmente, naquele instante, ele era um pirata.

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