quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Luz Vermelha


por Danilo Maia 
Coluna: Faça [P]arte de tudo



A lâmpada que ilumina a entrada é vermelha. Um pouco chamativo demais pro meu gosto, mas há a necessidade. Afinal, em meio a tantos prédios cinzas, se destacar é preciso.
Sou recebido pela mesma atendente de sempre. Ela me dá o mesmo sorriso de sempre e me pergunta: "A menina de sempre?". Para não fugir de todo esse ritual, respondo: "Sempre". É um jogo manjado de tão repetitivo, mas, fazer o quê, s'eu gosto de rotina?
Efetuo o pagamento na recepção mesmo. As moças não tocam em dinheiro e nem se discute valor com elas.
Lá dentro, ela já me aguardava. Quando me vê, oferece-me um sorriso tão gostoso que, quase acredito não ser uma transação comercial o que há entre a gente. Ela vem em minha direção, gingando, enrolando os cabelos numa mão e lançando-os para longe. Em cascata, aquele belo cabelo cacheado volta para seu lugar de origem.

- Pontual como sempre! – fala para mim ainda sorrindo.
- Pontual como um relógio britânico! – respondo.
- Na verdade, a expressão é: "pontual como um britânico" ou "preciso como um relógio suíço".
- Hum. Entendi. – digo.

Não, não entendi. E, provavelmente, em breve, esquecerei essa informação. Minha memória é uma bosta!

- Vamos? - me chama e estende a mão para mim.

Sinceramente, poderia passar o dia apenas segurando aquela mão. Pagaria apenas para segurar aquela mão! Seu toque sempre me enche de paz. Mas ela me oferece bem mais que isso.
Entramos no quarto.
O aroma é intenso e a conhecida tontura vem. Esperando por isso, sua mão já está segurando meu braço para me guiar até a cama. Me ajuda a deitar. Deito e sinto seu toque delicado em minha testa.
Dali a pouco, ela começa a murmurar suas palavras [que eu não faço a menor ideia de quais sejam!].
Ainda estou zonzo. E assim, permanecerei até o fim.
Vou me perdendo entre os sussurros, aromas, pensamentos e as mãos dela acidentalmente tocando algum lugar do meu corpo.
Então, a indistinguível frialdade da lâmina me traz um pouco de lucidez quando sua ponta toca meu peito. Dura apenas alguns segundos e antes qu'eu volte ao meu estado de torpor, a excruciante dor da adaga me invade. Sinto algo quente jorrar. Não é sangue. Ela é mestra nisso. Nem uma gota de sangue sequer sai. Porém, algo abandona meu corpo quando a lâmina perfura meu tórax.
Aos poucos, meu coração diminui a batida. A respiração pesa. O Mundo fica mudo ou eu fico surdo, não sei. Finalmente, vejo a luz.
Sempre me pergunto: será a luz vermelha da entrada que vem à minha mente nesse momento?
Morro.

***

- Acabou o tempo. - ela me acorda com sua costumeira voz angelical.
- Já? – esfrego os olhos como se acordasse. - Sei não, heim, mas acho que você está cada vez mais diminuindo o tempo! – protesto em um tom carinhoso.
- Você sabe que não é verdade. Sessenta minutos, como sempre. Menos do que isso, eu não consigo te trazer de volta.
- Então, deixa mais.
- Sessenta minutos. Nem menos, nem mais. Tenho até medo de pensar o que poderia acontecer se eu descuidasse do tempo. – diz isso e se agita toda como se um arrepio houvesse atravessado seu corpo.
- Você é a melhor! Nada aconteceria. Olha só – aponto para meu peito. - Nenhuma cicatriz. Como sempre!
- São coisas diferentes. – finaliza.

Aceno com a cabeça e espalmo as mãos indicando derrota nessa discussão.
Não tenho mais motivos para estender essa conversa, então, despeço-me e confirmo o encontro da semana seguinte.
Porém, antes de sair do quarto, ela segura minha mão e, hesitante, fala:

- Eu sei que não é da minha conta, mas... Você vem aqui toda semana e eu não sei qual é a sua motivação... Digo isso, porque quase todos vêm aqui para tentar rever alguém que perdeu, encontrar um deus ou algo do tipo.

E sem disfarçar o constrangimento, pergunta:

- E você?

Sorrio e respondo:

- Vou te deixar na curiosidade.

Como sempre, saio de lá mais vivo do que nunca.


7 comentários:

Hermes de Sousa Veras disse...

Muito bom esse conto! Parabéns.

Danilo Maia disse...

'Brigadão, Hermes!!

E que bom qu'eu posso dizer o mesmo dos seus textos!!

Alex Sampa disse...

Lindo texto!. Acho que vc criou um novo genero! Algo como "ficcão cientifica intimista". ;)

CA Ribeiro Neto disse...

Seria, então, um "Realismo Alternativo", uma "ficção científico-naturalista".


Cá entre nós, seria uma incrível linha para a coluna seguir!

Danilo Maia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Danilo Maia disse...

hahahah...
Valeu, Alex!!

Danilo Maia disse...

Olhaí!! 'Tou achando que no próximo mês, já vai ter mais disso e vai ser escrito por você, mestre Carlos!! haha

Vamo' ver como vai ficar isso!! =)