por CA Ribeiro Neto - Twitter
coluna: Da nossa opção por voar
Como já é tradição, a
Funceme errou, os Profetas da Chuva acertaram e a chuva caiu em todo o Ceará.
Infelizmente, como a geografia não deixaria acontecer diferente, alguns
municípios receberam mais chuvas, na maioria, os perto do mar, outros menos, os
do miolo do Estado.
Neste ano, o leito do Riacho
Quandu foi agraciado pelos lampejos quase diários de chuvas, o que acarretou um
maior volume pluviométrico, fazendo encorpar o Rio Mundaú.
Menino cearense que é cearense menino, adora chuva e aproveita como pode. Quando o dia está chuvoso, termina voado
o dever de casa, toma a bananada no guti-guti, para poder ir logo tomar
banho de chuva e de bica pela localidade.
Assim reuniu-se a trupe:
Rubim - só o pai o chama de Rubens,
nome bonito que ele leu na revista; Zito - José já era o avô, Zezim é o pai,
ele teve que ficar com outra derivação do nome; Zelu – apelido dado pela sua
avó, rezadeira da região, que juntou seus nomes 'José' e 'Luiz'; e Batoré – esse foi
os amigos mesmo que lhe colocaram, por ser baixinho e entroncado.
Esses quatro tinham uma amizade
que só o horário da escola já não bastava, era preciso andar mais juntos. E qualquer
desculpa era motivo de reunião: um pássaro caído, a busca de um ladrão de
galinha, a chegada de alguém da capital, o que sobrou de uma buchada do almoço
e, claro, banho de chuva.
Encontraram-se embaixo dum pé de
ciriguela e de lá, não tiveram dúvida, correram para a igreja,
que por ser bem alta, faz a bica vinda do telhado ser mais dolorida e divertida. Começa o
empurra-empurra pra ver quem aproveita mais a chibatada d’água nas costas e na
cabeça.
Batoré teve uma ideia: levou os
amigos até sua casa, onde o pai tem uma bodega, para pegar uma caixa velha de
papelão. Cada um pega um pedaço, molda à sua maneira e agora temos quatro navios numa
corrida de navegação pelas ladeiras da pequena cidade.
Zito, ao se ver na lanterna da
disputa, lembrou de algo que seria massa: ir tomar banho de açude. Correram pro
Quandu e viram que, onde, no final do ano passado, só tinha pedra e lodo, agora
tinha um açude cheinho, bonito que só.
Nadaram do jeito que aprenderam,
sem aula, só de espiar os outros. Quando cansavam, ficavam boiando. Perto
deles, somente um grupo de jovens escutando brega, torrando peixe numa
churrasqueira improvisada de tijolos e telhas e tomando uma caninha.
Depois de um mergulho demorado,
emergiram Zelu, Batoré e Rubim. Os três se olharam e, rindo, se perguntaram
onde poderia estar o Zito. A chuva engrossou ainda mais, cada gota parecia
agulhas perfurando os rostos dos meninos. Em sincronia, os sorrisos murcharam e
a preocupação apareceu. Começaram a gritar pelo amigo, mergulhavam para ver se
o encontravam e nada. Com as nuvens mais densas, começaram trovões e
relâmpagos. Apelar pra quem? Iara? Iemanjá? Nossa Senhora Aparecida ou a dos
Navegantes? Qual divindade é protetora das águas de açudes e suas gentes? O
fogo da churrasqueira de tijolos foi apagado pelo forte vento, e os bebuns
correram para debaixo dum cajueiro, cada um com seu copo na mão e todos olhando
com atenção para o que carregava o litro - esqueceram o peixe na telha. Os três amigos saíram da água e
correram por fora para a barragem do açude. Em cima da parede grossa, gritavam
pelo amigo, em vão. O Açude Quandu sangrou.
* Se você não entendeu algum termo do texto, por favor, pergunte nos comentários!
2 comentários:
Bonito e trágico como o sertão e a história de meninos. E eu pensando que ia virar um Ateneu.
Não tem como um texto meu virar Ateneu...
Postar um comentário