quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Apresentação Tardia

por:
Hermes de Sousa Veras
Ligeiramente sombrio. No mais, consideravelmente feliz e tropical.
Coluna: Etnoliteratura




Etnoliteratura deveria ser algo diferente, embora nada tenha de novidade. A ideia principal é a de construir textos baseados na experiência, seja ela minha ou de outra pessoa. A vontade é alinhar minhas indagações enquanto escritor de literatura e antropologia. Meu objetivo nessas áreas é construir escritos que façam com que o “Eu” saia do“Mim”, desrespeitando os versos de Hilda Hilst: “Tu não te moves de ti”. Bem, o “Eu” não precisa sair, caso ele seja descentrado, desestabilizado, já está de bom tamanho.
As literaturas são várias e não poderia me interessar por todas. A coluna tenta inserir elementos de uma antiliteratura[*] para justamente construir uma literatura. Se o título Etnoliteratura parece pomposo, ou mesmo arrogante, como já me disseram, cabe dizer que a coluna chama-se assim por falta de outro nome. Tento nesses textos fazer laboratórios e experimentos de observação e escrita, exatamente nessa ordem, ao menos quase sempre. Daí o motivo de se apresentarem como esboços.
Tenho escutado perguntas do tipo “Isso aconteceu contigo ou com um conhecido teu?”. No geral os ocorridos são colagens de acontecidos meus e/ou de conhecidos com outros inventados e delirados. O delírio, aqui, também é observação. Tenho visto muitos vultos ultimamente, e eles não ficarão de fora dessas linhas.
Como se já pode ter percebido, nada de novo trago aqui. A literatura tem sido isso mesmo, a junção de experiências com uma boa dose de criação. Sabemos bem que criação e experiência são coisas simultâneas, desconjuntadas jamais. Tendo me justificado, passo a outra questão que já me levantaram: “Vale a pena escrever o cotidiano pelo cotidiano?” Eu digo que sim. Pois o cotidiano de sicrana(o) é muito diferente do de fulana(o), e trazer as vidas de pessoas variadas, e disso aprendermos algo, é um dos objetivos interessantes da literatura. Ainda na pergunta, ela faz parecer ser tarefa fácil escrever o cotidiano. Quem já o tentou tem noção o quanto essa ação não é simples, principalmente quando nos perguntamos o que é o cotidiano e como podemos ter acesso a ele. E claro, o cotidiano de quem? E para quem? Dizem que a melhor forma de refletir sobre isso é a escrita da crônica, portanto, às vezes os textos aqui poderão apresentar esse tom. Mas revelo logo não possuir nenhuma preocupação em relação ao gênero dos escritos. 
Falei logo acima em aprender. Estou usando a palavra em seu sentido amplo. Pode ser o acesso a determinado conhecimento mesmo, ou uma sensação estética: os prazeres são equivalentes. Os escritos buscam trazer efeitos de aprendizagens, caso não para o leitor(a), ao menos para o escritor. Se trago alguns textos minúsculos, pequenos recortes de conversas, coisas poucas que acompanhei/inventei em Belém do Pará ou Fortaleza-CE, cidades que mais vivencio ultimamente, é por dois motivos. O primeiro, sou preguiçoso. Venero essa disposição estética para com o mundo. A outra é que não querendo fazer tudo sozinho, deixo, quase sempre, escritos que possam ser conectados com as preocupações ou brincadeiras das(os) leitoras(es). Dependo de vocês para fazer o troço todo funcionar.
Claro que essa explicação/apresentação é meio delírio, meio desejo. O resto vocês completam.




[*] Termo criado “por” David Gascoyne (1916-2001), poeta britânico. Descobri isso enquanto escrevia esse texto, portanto o termo surgiu intuitivamente.

Um comentário:

CA Ribeiro Neto disse...

Antiliteratura? De forma nenhuma chamaria seus textos assim. Precisaria dizer o mesmo de Manoel de Barros. E aí?