segunda-feira, 25 de abril de 2016

O último dia na terra

por Victor Hudson
Coluna: A vida é um dia



Deu no jornal: decretado último dia na terra, todos no mesmo barco, fim dos homens à vista. Amanhã de manhã, é Zé-fi-ni for us.

Agora tanto faz. Os dias que me atrasei, que me adiantei, que não cheguei, que queria que chegassem. Não chegarão. Não mais. As férias que vendi, os feriados que curti, os dias bons, os dias ruins. Até as mãos que segurei e as que dei um chega pra lá. O desejo de que o tempo volte atrás... Toda vez que lembro, tanto faz agora lembrar.

Agora tanto faz. A verdade, a mentira e a ilusão para os que não sabem o que tem. Aos que sabem enganar os corações, aos que enaltecem e despertam sonhos, aos que envelhecem em mansões, em barracões, aos que não falta coragem para nada, aos que desabam guiando o carro para o trabalho, aos que não tem nada, aos que não falta nada, tanto faz. Perder a hora, a cabeça, a beleza, a chave do carro e os números da sena, agora tanto faz. Tanto faz lembrar ou esquecer. Essa “viagem”, à ninguém é permitido se atrasar. Agora...

Tanto faz. Deus ou o diabo na terra sol virão nos buscar, na porta de casa, no banheiro do trabalho, na fila do pão, no fundo da rede, nos grupos do zap.

Agora tanto faz. Os segredos que os olhos escondem, revelam, assustam. Para nada mais serve o que as mãos seguram, enxugam, separam, unem, tricotam, desmontam, e mostram tudo de você, de mim, de nós. Se dar conta, agora, tanto faz.

Os abençoados, os hereges, os guias, os desnorteados, os que desabam e os que se erguem com tudo, os calvos, os cabeleiras, a sexta-feira: tanto faz agora. A hora de encontrar as mesmas nuvens que vem e vão desde sempre, é agora. O momento de ir pro lado de lá.

***   **   * (...)

É de manhã. Levantei cedo, de um pulo, de um salto, quase um carpado triplo do circo Bolshoi! O dia tá uma beleza. Como pode? Acabou-se foi tudo não? Deu no jornal: Errata! Sobreviventes relatam “Parece mentira, desejo de que o tempo volte atrás cura sobrevida precoce”.

Tanto se faz, agora.

Um comentário:

CA Ribeiro Neto disse...

Nunca esquecerei do dia em que as "obrigações humanas" me fez sair de casa num domingo para ir trabalhar, enquanto um cachorro de rua dormia numa sombra, tranquilamente. E eu me perguntei quem era o animal racional dos dois. hehehehehe