domingo, 19 de junho de 2016

Español

Coluna: Sobre Vênus

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Quando decidi tentar o Ciências Sem Fronteiras, fiquei numa indecisão imensa. Eram tantos os lugares pra escolher, tantos motivos e vontades diferentes… Quis ir pra Austrália, Japão, África, lugares que, ao meu ver, são bem distantes em oportunidades. Decidi, ainda assim, que não, porque vai que minha área de estudo nesses lugares seja ruim. Resolvi tentar os clássicos: EUA ou Europa? Decidi Europa porque, enfim, moda e Europa, pra nós no Brasil é só sucesso. 

Mas aí, pra onde eu poderia ir? A primeira opção seria Inglaterra, porque eu amo esse país e já falo inglês, mas o teste de proficiência no idioma que eles requerem era muito caro e dificílimo, não quis arriscar. Poderia ter tentado outros países como Hungria e Irlanda que aceitam inglês e um teste de proficiência mais barato e menos complicado, mas me perdi nesse caminho e fiquei entre os clichês França, Itália e Espanha, que por mais que eu não falasse a língua, tinha um teste mais fácil e barato. Essa opção por testes mais fáceis se dá porque só se tem uma chance de escolha, se eu me equivoco e consigo uma nota insatisfatória, eu perderia minha oportunidade por todo aquele ano. A escolha por Espanha foi até curiosa porque eu já estudei um pouquinho de francês e tenho aquele italiano maroto de novela da Globo, enquanto espanhol eu nunca tinha tido nenhum contato. No fim, escolhi Espanha e comecei a estudar por conta própria, por vídeo no youtube, ouvindo e cantando músicas, traduzindo coisas e esse processo autodidata. Fiz a prova no nível mais simples e passei bem, até, porque tenho uma certa facilidade para aprender idiomas. Depois estudei um pouco mais, mas sem muita preocupação, achando que iria arrasar no espanhol naturalmente. 

Mas não. Até hoje, nove meses e meio morando em Madrid, não falo bem. No dia que cheguei aqui eu tive um mini pânico porque eu não entendia NADA que me falavam na rua, não entendia nada que os caixas dos supermercados perguntavam, na aula eu simplesmente boiava, para apresentar trabalho então, meu Deus, que martírio. Quantas vezes eu falei palavras ofensivas sem saber, quantas vezes eu falei palavras em português achando que eram iguais em espanhol. Uma vez, durante um seminário, eu descrevi uma imagem com a palavra “leveza” (mas com a pronuncia espanhola. Sim). Vocês tinham que ver a cara de paisagem de todo mundo. O professor pediu pra eu repetir a palavra, perguntou o que significava e eu lá sem saber o que falar.

Mas aí, a chave da proficiência, como muita gente sabe, é aprender o máximo de palavras possível, usá-las como mapeamento pra compreender o contexto do que te falam e, principalmente, pensar no idioma. Vendo que meu espanhol estava sofrível, comecei a assistir filmes e seriados espanhóis sem legenda, comecei a ouvir mais atentamente as conversas na rua, a catalogar palavras. Ainda não falo como deveria, mas escrevo e compreendo bem. Nesse processo de aprender na experiência, eu comecei a pensar que o espanhol me lembra o personagem do finado “Casseta e Planeta”, o seu Creisson, que falava um português “errado”. Cocodrilo, dinosaurio, pregunta… Rio muito até hoje com isso. Outra coisa que eu adorei perceber aqui foi a entonação espanhola. A gente costuma falar que o cearense fala cantando e posso dizer que o espanhol também. E é muito engraçado perceber as criancinhas pequenas aprendendo a falar, as vezes não sabem as palavras ou a expressão inteira, mas a forma de falar já dominam. E as expressões, estão?! ¡vaya! ¡menudo lío! ¡joder! ¿estás loco o quê? As duas que eu mais gosto: “leche” e “mi cago en algo”. As duas são expressões negativas, de indignação. Me cago en la leche, me cago en la hóstia, me cago em qualquer coisa que se pense, é muito engraçado. Este tío es la leche, la mala leche, ou só ¡leche! 

Por fim, é engraçado me ver aprendendo uma língua de uma forma diferente. Sem cursinho chato duas vezes por semana. É no erro e no acerto. Na vergonha e no orgulho de conseguir. Agora me vejo num limbo, no qual eu nem falo espanhol nem português como eu tanto me orgulhava de dominar. Escrevo essa coluna me policiando na ortografia, esperando o corretor me acusar o erro. É difícil. Nunca pensei que poderia um dia me atrapalhar exercendo minha língua materna, mas aconteceu. Escrevo palavras em espanhol, com final em “n” no lugar do “m”. Mês que vem estou voltando pra casa e vou ter que me desdobrar pra recuperar meu idioma e manter o espanhol que aprendi a duras penas.

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