por:
Hermes de Sousa Veras
Ligeiramente sombrio. No mais, consideravelmente feliz e tropical.
Coluna: Etnoliteratura
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Rodoviária em pleno julho, já se pode imaginar: gente andando para lá e para cá com malas imensas, pessoas querendo vender qualquer coisa, aproveitando o maior fluxo das férias e, o principal, sujeitos querendo comprar a sua passagem em cima da hora, com o ônibus prestes a sair.
Essa gente não contava que teria um gringo comprando passagem para Fortaleza ou Teresina, não lembro bem, e que esse gringo teria como empecilho o nervoso do atendente, somado ao seu próprio nervoso, resultando em duas pessoas prestes a se atracarem, mas impedidas pela proteção de vidro que separa consumidor e trabalhador.
Atrás deles, uma imensa fila de pessoas querendo passagem para embarcarem no ônibus de meio-dia, partindo para alguma cidade do interior do Pará. Era, pelo menos, umas onze horas e trinta minutos. Foi uma algazarra:
– O senhor tem que ir lá na polícia federal.
– Mas estou liberado! Estou liberado! Já fui na polícia! – desesperava-se em sotaque hispânico.
O atendente resolveu sair da cabine e explicar mais enfático, aos gritos:
– Você tem que ir lá em cima e falar com a polícia federal, depois volta aqui.
– Mas eu já comprei passagem! Com quem eu tenho falar, hem? Me diz, me mostra com quem eu tenho falar!
E o funcionário, já extremamente puto, respirou fundo e disse que iria até lá com ele. Enquanto isso, o atendimento continuou normalmente, por outra pessoa que, antes, apenas observava a confusão. Prosseguiu-se assim até o hispânico resolver o seu problema e, muito nervoso, passar entre a fila e voltar ao guichê, revoltando as pessoas que estavam com suas passagens a comprar.
– Ah meu deus, desde dez horas da manhã que eu estou nisso.
– Eu sabia que era pra gente ter almoçado.
– Puta que o pariu, eu tô com fome, moço!
– Ei, eu quero ser atendida!
Ouvindo tudo e compreendendo, o gringo ficou mais nervoso e gestualmente tentava se justificar. Virava-se para os lados e com o olhar dizia “eu estou regular, ele que não quer deixar eu embarcar! ”. Tentou resolver de vez, a sua empreitada:
– Eu já falei com eles! Não, eu já falei!
O atendente fez menção de não o atender mais. Então o gringo apelou:
– Me escuta! Olha aqui pra mim. Agora olha lá naquela terceira janela. Olha lá!
E havia um rapaz fardado acenando com um legal, liberando o passageiro.
Finalmente, atendido, foram estabelecidas a compra e a data da passagem. Mas não os ânimos dos demais clientes, desmontando a tese do brasileiro gentil:
– Meu Deus! Até que fim!
– Nem vai dar tempo de almoçar, vamos ter que comer aquela comida horrível de estrada.
– A culpa não foi minha, a culpa foi dele – defendeu-se, apontando freneticamente para o funcionário que o barrara.
Foi-se, voltando assim o fluxo menos demorado.
– Vai-te embora, carniça!
– Ô coisa horrorosa!
– Mas também, o homem não explicou direito para ele. Sei lá, uma pessoa vem de outro lugar, não sabe como funciona aqui.
– É, mas brasileiro quando vai lá pra fora só se lasca, né, mana?
O assunto renderia mais um pouco, talvez uma viagem inteira. Se o fuxico for forte mesmo, pode perdurar até o próximo verão.
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