por Marcos Caetano
Coluna: Praia do Futuro
A morte não
é engraçada. A morte não é nada engraçada. Não há graça alguma na dissipação da
existência de alguém. Assim acreditava aquele estudante de engenharia de pesca.
Havia terminado todas as horas necessárias para se formar, quanto a carga
horária de disciplinas, mas algumas horas de atividades extra aula ainda lhe
empatavam a formatura. Por isso decidira participar de qualquer coisa que lhe
auxiliasse nisso. Foi assim que chegou até aquela sala no curso de filosofia
para um tipo de workshop com aquele tema: a morte. Ele havia se atrasado para a
morte e quando chegou todos riam. Não entendia o porquê, não gostava daquilo e
não achava graça. A morte não é engraçada.
“Bem-vindo”,
disse o palestrante num tom aconchegante. Nem parecia algo formal. A morte é um
evento informal. Foi o que percebeu o futuro engenheiro de pesca. Aprontou-se
no primeiro lugar que encontrou enquanto olhava os sorrisos felizes de cada um
n’a morte. Era um riso que lhe embrulhava o estômago. Era um riso que lhe lembrara
de quando era criança. Ele rira da morte de uma formiga certa vez. Sua censura
diminuiu um pouco. Será que estão rindo da morte de alguma formiga?
Questionou-se. Não, era da morte de um golfinho. Santo Deus! Interjeitou-se. Até
que percebeu que era uma mescla de riso e maravilhamento n’a morte.
“O mais belo
epitáfio”, disse o palestrante, quando todos começaram a ter com mais atenção
às palavras. Era fácil rir da desgraça de uma formiga, mas difícil da desgraça
de um homem. A sorte é mais
dura entre os iguais. Ele se censurou um pouco mais. Mesmo que não fosse
prestar atenção em nada n’a morte, estar ali já fora o suficiente para lhe
fazer pensar na vida.
A contragosto
chegou a pensar no que gostaria de ter em seu epitáfio. Não decidiu por nada. O
futuro lhe esperava. Não porque estivesse tão preocupado na formatura, mesmo
que a quisesse. Não havia decidido para si engenheiro de pesca, mas surfista. Esperava a lista de presença d’a
morte passar para assinar e logo partir para a Praia do Futuro. A prancha
esperava no carro. O carro esperava no estacionamento. Ele esperava n’a morte.
A vida é
engraçada. A vida é muito engraçada. Há muita graça na existência de alguém.
Assim acreditava aquele surfista. Saiu rapidamente d’a morte com algum
entendimento das risadas iniciais. Estavam vivos, por isso riam, pensou. Mesmo
assim aquilo ainda lhe era estranho. Ninguém ri depois que experimenta a morte.
Ela vem feito uma onda, a contragosto, feito o pensamento do próprio epitáfio.
Decidiu que o seu epitáfio seria sua vida. Há algo melhor que isso? Por isso
foi surfar naquele dia com mais vontade.
Sua companhia
disfarçada era alguns amigos, areia, alguma bebida, música. Sua companhia
verdadeira era o pôr do sol, as ondas e o salgado nos olhos. Estava
despreocupado, dali para frente eram dois dias sem compromissos sérios. Em
verdade, apenas um compromisso sério e inevitável: A Praia do Futuro. O
desleixo, ou talvez o afã, fizera-lhe não avisar a seus pais. Em verdade, seu
pai. Porque sua mãe estava viajando com seu irmão mais novo. Moravam os quatro,
mas naquele fim de semana seu pai ficaria sozinho em casa.
O seu velho
não era de pegar no pé. Nem o filho surfista era desleixado. Os dois se davam
bem. Acontece que às vezes esquecemos algumas coisas. Seu pai não ficaria furioso
com aquilo. Era um taxista tranquilo. Havia trabalhado duro durante toda a
semana. Atravessou noites a fio de cima para baixo em Fortaleza. Durante os
dias dormira. Esse era o motivo de estar feliz naquela noite. Era a última de
trabalho. Decidira que o fim de semana seria de descanso total.
Naquela noite
pegou duas corridas saindo do aeroporto, outras do Mucuripe. Foi uma noite
lucrativa. Ficou feliz quando serviu de meio de transporte para uma mulher
grávida ir ao hospital dar à luz. Houve nervosismo, ele olhava para o pai do
bebê prestes a nascer e se lembrava de si mesmo quando esperou seus dois
filhos. O mais velho pronto a se formar engenheiro de pesca, o mais novo
estudando para medicina. Sentia-se vitorioso. Aquele sentimento lhe fez
conversar com os futuros papais e ficar um pouco mais no hospital para
aproveitar a alegria da chegada de mais uma vida. Ficou até seu telefone tocar.
Uma chamada lhe encaminhou a outro hospital.
Ele sempre
fora um taxista comedido. Não desrespeitava as regras de trânsito. Contudo,
naquela noite, avançou três sinais vermelhos. Se receberia multa? Não se
importou. Seu interesse era unicamente o ponto de chegada, não o caminho. Na
hora do desespero o caminho não é importante.
Chegou.
Esperou para saber mais do acontecido. Procurou se conter, mas o que fazer quando a esperança lhe foge das
entranhas? Desespera-se. Naquele momento, bravatas sobre esperança, não
passavam disso: bravatas. O médico aproximou-se e disse, “Nós o encontramos na
Praia do Futuro”, disso o taxista já sabia e decidiu ouvir apenas o que ainda
não sabia.
“Não há o que
fazer. Ele está morto”
Naquela noite,
as ondas da Praia do Futuro banharam um taxista.
4 comentários:
"Na hora do desespero o caminho não é importante."
O futuro de todos, aparentemente, é a morte. Embora não ache que a morte seja o fim da vida. O fato é que o futuro não é a minha praia, mas o presente!
Excelente texto!!! Muito bom mesmo! Primeiro o filho: da morte à vida; depois o pai, da vida à morte.
Esse Caetano é o cara! Um dia chego lá!
Sim, o conto está incrível!!
A morte talvez seja o tema do meu próximo texto também!
"Morte, que talvez seja o segredo desta vida" Raul Seixas
Muito bom o conto! Foda!
Ao final, a vida sempre vence. Espalhada pelas ondas do mar... é o movimento natural, se ela engole uma vida ela empurra outra de volta. E o pai, ao final, depois desse banho, ao viver as forças trágicas da morte, encontre centelhas de vida na sua própria. Pois... Vida, ela sempre vence.
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