Coluna: Etnoliteratura
por:
Hermes de Sousa Veras
Cearense em devir-Amazônia.
Dizem que ficou sombreado na mata
e voltou falando sobre profecias de fim de mundo.
Fortaleza me rejeita. Por causa dessa cidade passei
a fumar um maço a mais por semana. Não sei bem qual é o seu propósito, mas, como
escritor delinquente, sou ciente do fato de que cada urbe possui sua
espiritualidade e ganância.
Quando retornei ao pedaço já tinha acumulado mais
uma derrota. Mas esse não é o motivo. Todo escritor é um fracassado e se sabe
que essa cidade possui um leque imenso deles. Estou incluindo aí, também, as
escritoras, mas como dá muito trabalho arrumar uma linguagem não sexista, e
aquela história de colocar “x” sendo terrivelmente brega, vou apenas me referir
a todo mundo no feminino. Assim fico parecendo menos machista do que ainda sou.
Fortaleza acumula muitas escritoras. Algumas
medíocres, outras geniais, e outras tão ruins que não merecem um adjetivo
sequer, como eu. A minha preferida é aquela que mora na praia, tão distante mas
tão próxima. E a praia é fora dos limites da capital, contudo, quem disse que
Fortaleza deixa escapar suas mentes trágicas?
Na verdade, seria essa a solução. Deixar escapar.
Mas não: preso no retorno, tenho que andar novamente sob este céu inesperado.
Por que o sol tem que surgir tão cedo? Embora a noite logo venha, não há nada
que se possa fazer a não ser delirar entre quatro paredes. Se houver uma janela
é melhor, mas geralmente não se tem. Se não é o meu fracasso acumulado que faz
a cidade me rejeitar, o que seria?
As pessoas são adoráveis comigo. O clima areja a
mente e faz brotar bons miasmas. E tem essa claridade intensa, os mares
pintados. Mas eu não tomo banho de água salgada. A novidade é que além da rejeição
há um assassinato marcado. E não seria a afogada mais bonita do mundo. Os olhos
esbugalhados, a cara roxa. É por isso que em breve estarei partindo.
Não são as pessoas, nem o clima, nem nada. O que
seria? É mistério. Alguma coisa me expele, expulsa. Serei evacuado em breve.
Enquanto isso fico encarando esse sol cretino. Tão cedo ele aparece e ainda nem
escrevi sobre o maior fracasso, aquele que toda escritora tem que passar para
passar realmente a escrever.
Fortaleza, 17 de
setembro de 2015.
5 comentários:
Se a saída é delirar entre 4 paredes então já se faz pouco mais do que o necessário.
Não acredito que tu prefira a Ana Miranda à mim...
E o fracasso do escritor o move a escrever porque deve ser partilhado, enquanto a alegria deve ser compartilhada?
Não tinha parado para pensar nisso. É uma boa forma de se definir o sentimento da escrita, embora possa ser invertido também: compartilhar a tristeza e partilhar a alegria. Parece que no final não fica sorriso algum.
Escrever é um exercício estranho. Cheio de nós, do mundo, de tudo e de nada. Penso que sem essa estranheza, não seria interessante. Às vezes esticamos os dedos e alcançamos algo...de repente. Adorei o texto!
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