quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Nenhum comentário

Coluna: Etnoliteratura
por:
Hermes de Sousa Veras
Cearense em devir-Amazônia.
Dizem que ficou sombreado na mata
e voltou falando sobre profecias de fim de mundo.


Fortaleza me rejeita. Por causa dessa cidade passei a fumar um maço a mais por semana. Não sei bem qual é o seu propósito, mas, como escritor delinquente, sou ciente do fato de que cada urbe possui sua espiritualidade e ganância.
Quando retornei ao pedaço já tinha acumulado mais uma derrota. Mas esse não é o motivo. Todo escritor é um fracassado e se sabe que essa cidade possui um leque imenso deles. Estou incluindo aí, também, as escritoras, mas como dá muito trabalho arrumar uma linguagem não sexista, e aquela história de colocar “x” sendo terrivelmente brega, vou apenas me referir a todo mundo no feminino. Assim fico parecendo menos machista do que ainda sou.
Fortaleza acumula muitas escritoras. Algumas medíocres, outras geniais, e outras tão ruins que não merecem um adjetivo sequer, como eu. A minha preferida é aquela que mora na praia, tão distante mas tão próxima. E a praia é fora dos limites da capital, contudo, quem disse que Fortaleza deixa escapar suas mentes trágicas?
Na verdade, seria essa a solução. Deixar escapar. Mas não: preso no retorno, tenho que andar novamente sob este céu inesperado. Por que o sol tem que surgir tão cedo? Embora a noite logo venha, não há nada que se possa fazer a não ser delirar entre quatro paredes. Se houver uma janela é melhor, mas geralmente não se tem. Se não é o meu fracasso acumulado que faz a cidade me rejeitar, o que seria?
As pessoas são adoráveis comigo. O clima areja a mente e faz brotar bons miasmas. E tem essa claridade intensa, os mares pintados. Mas eu não tomo banho de água salgada. A novidade é que além da rejeição há um assassinato marcado. E não seria a afogada mais bonita do mundo. Os olhos esbugalhados, a cara roxa. É por isso que em breve estarei partindo.
Não são as pessoas, nem o clima, nem nada. O que seria? É mistério. Alguma coisa me expele, expulsa. Serei evacuado em breve. Enquanto isso fico encarando esse sol cretino. Tão cedo ele aparece e ainda nem escrevi sobre o maior fracasso, aquele que toda escritora tem que passar para passar realmente a escrever.


Fortaleza, 17 de setembro de 2015.

5 comentários:

Cliverson Pessoa disse...

Se a saída é delirar entre 4 paredes então já se faz pouco mais do que o necessário.

Cliverson Pessoa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
CA Ribeiro Neto disse...

Não acredito que tu prefira a Ana Miranda à mim...


E o fracasso do escritor o move a escrever porque deve ser partilhado, enquanto a alegria deve ser compartilhada?

Hermes de Sousa Veras disse...

Não tinha parado para pensar nisso. É uma boa forma de se definir o sentimento da escrita, embora possa ser invertido também: compartilhar a tristeza e partilhar a alegria. Parece que no final não fica sorriso algum.

Unknown disse...

Escrever é um exercício estranho. Cheio de nós, do mundo, de tudo e de nada. Penso que sem essa estranheza, não seria interessante. Às vezes esticamos os dedos e alcançamos algo...de repente. Adorei o texto!