domingo, 27 de setembro de 2015

"Serei"

por Marcos P. S. Caetano
Coluna: Praia do Futuro
(02h17 de 26 de Abril de 2010)

Na linguagem do teu ser
Serei a língua do teu querer
Serei língua em tuas pernas subordinadas
Serei a língua de teu corpo falada
Serei todo o português
A frase em cada parte de ti, vez após vez,
Serei a prosa nos teus olhares
Serei o dizer quando falares
E quando nada disser: serei
Quando precisares de interjeição: tornar-me-ei
Uma palavreta ou um palavrão
Serei teu novo e teu antigo
Palavroso no português, no modernês objetivo
Serei do teu país a capital
Em ti serei homem e serei animal
Serei todo verbo incessante
Serei teu som tonitruante
Da tua vontade serei o espasmo
Serei também teu deleite esparso
Serei a exclamação que puxa o teu cabelo
Serei todo o verso ao dizê-lo
Serei cheiro e ânsia e fome e prazer
O teu direito serei e assim serei teu dever
Serei o que te devora, serei vontade
Serei o que nos devora, serei saudade
E serei intenso, íntimo, serei teu gozo
Serei suave e pleno, serei estrondoso
Serei a oração escrita em tuas costas
Serei todas as palavras sobrepostas
Serei o significado em ti, por trás
Serei toda a tua guerra e toda a tua paz
Do teu livro serei o clímax
Uma, duas, três, inúmeras vezes
Do teu soneto serei as rimas
Serei a língua de teus prazeres
Serei a saliva da tua boca
Serei a secura quando estiver rouca
Serei do teu olhar a malícia
Serei do teu banquete a delícia
Serei teu ontem, teu hoje e teu amanhã
Em ti serei calor e tua febre terçã
Serei o sentir da loucura no teu pensamento
Do teu líquido serei o corrimento
Serei da força o sentido e o movimento
Das tuas curvas eu serei a tremedeira
Serei os parênteses que seguram teu quadril
Serei o adjetivo que voraz te beija
Não serei apenas um, mas serei mil
Serei a língua que passa nos teus lábios
Serei o não dizer dos poetas, dos sábios
Serei dos teus poros a confusão
Na tua pele por completa serei a mão
Serei a cor do teu seio formoso
Serei a respiração em teu pescoço
Serei a palavra que abala tua estrutura
Serei a poesia da tua literatura
Serei como um poema a entrar em ti
E como o suor a sair de ti na transpiração
Serei a falta de senso no teu corpo,
Serei brasa, serei amor e serei paixão.
Serei a tua paz e a tua loucura,
Serei teu cansaço e tua fervura,
Serei teu suspiro e teu grito,
Serei teu silêncio e teu gemido,
Serei tudo que declamo,
Serei teu descanso e teu eu te amo.

Serei, mas não serei agora
Serei tudo num momento
Quando chegar a hora
Agora sou perfume, sou miragem, sou vento...

Um comentário:

CA Ribeiro Neto disse...

Caetano e sua habilidade com figuras de linguagem. Se for contar, acho que tem um exemplo cada tipo nesse poema!

E o que é melhor, sua leitura está super natural e de uma sutileza incrível!
Abraço!