terça-feira, 19 de abril de 2016

Solidão em Madrid

Coluna: Sobre Vênus



Essa semana precisei ir à farmácia comprar um antialérgico e ali estava uma senhora como que “alugando” uma das vendedoras. Havia dois atendentes: um, consultando preço de produto pra outro cliente, e outra, ouvindo o que a velhinha tinha a dizer, mesmo depois de já ter comprado o que precisava. Entrei e fiquei aguardando que um deles ficasse livre pra me atender, mas fiquei ali, parada, cerca de 5 minutos, a esperar. Nesse tempo, outros dois clientes chegaram e formaram fila atrás de mim. A vendedora que conversava com a idosa falante já estava inquieta por nos ver ali esperando. Mas a senhora estava tão satisfeita conversando e sendo ouvida, que, tanto nós, que esperávamos, quanto a vendedora, não queríamos acabar com esse momento feliz. Quando a senhora percebeu que precisava sair, acho que tristemente saiu desejando bom dia a todos nós, sozinha.

Madrid é uma cidade em que a solidão se encontra com facilidade. 
E os mais atingidos, aqui também, são os idosos e os estrangeiros.
A comunidade idosa e a comunidade imigrante são imensas. 

Ouvi uma vez de um amigo (mas não posso comprovar se é verdade) que Madrid tem um índice altíssimo de pessoas que sofrem de/com depressão. Tanto que, ainda segundo esse amigo, haveria um incentivo financeiro para que as pessoas adotassem pets, contanto que os educasse bem. E isso, pra mim, é tão fácil de acreditar… Como já disse em outro momento, acho que há mais cachorros do que cidadãos em Madrid. A ideia seria que desfrutar da companhia de um cachorro, conviver com sua alegria inerente, ter algo a se dedicar e cuidar seria um apoio aos solitários, um estímulo na luta contra esse mal.

É muito fácil para idosos se sentirem solitários. São muitos os lares para terceira idade, são muitos os grupos de idosos que se apoiam mutuamente, que buscam uma vida ativa e em comunhão, são muitos os idosos em ônibus, fora de casa, que puxam assunto com facilidade. Outra vez, fiquei ao lado de uma senhora super elegante num ônibus que me mostrou seu relógio e disse que seu pai lhe comprara esse mesmo relógio, há mais de 60 anos, e, rápido assim, começou a me contar diversas coisas pessoais, e, animada por minha escuta, só parou quando teve que descer do ônibus.

Pra imigrante é ainda mais fácil sentir a solidão. Por não conhecer a cidade, por não conhecer pessoas, por não se reconhecer na nova cultura, pelo medo que se pode ter. Os madrileños são muito fechados pra novidade. Não interagem fácil com desconhecidos nem aceitam muito uma nova situação. Podem ser simpáticos ao responder uma pergunta, solícitos na hora de ajudar em alguma ocasião, mas, a meu ver, mesmo que queiram, parece uma pilastra cultural muito difícil de derrubar, a de manter-se encerrado no povo espanhol.

Muitos dos outros intercambistas brasileiros não sentiram, nem sentem essa solidão ou desajuste ao ambiente, que eu, por exemplo, sinto vez ou outra. Fico feliz por eles e tenho consciência de que muito do que eu vivencio (de ruim e de bom, principalmente), são construídos por mim mesma, pela minha relação com a cidade, que amo e odeio.

Claro que em todo o mundo as pessoas sofrem de solidão, realmente são solitárias, que Madrid não é um caso à parte, mas, no meu conforto de casa, nunca havia pensado tanto sobre a solidão. Na verdade, eu adoro minha solidão. Cultivo, usufruo  e busco feliz minha solitude. É uma necessidade pra mim, a solidão. Mas uma coisa é a escolha de uma solidão “controlada”, e outra é ser solitário e sentir o peso disso sem nenhuma outra opção ou saída, como um ensinamento cultural, de cada um no seu quadrado. E é isso que tenho observado nessa cidade. Em ônibus, em metrô… Nos inúmeros ipods e fones de ouvido, nos livros digitais, nos iphones, jornais de papel, no olhar para os sapatos até que chegue à estação de destino, no silêncio entre as pessoas que compartem um espaço. 

Um comentário:

Elisa disse...

Oi Tainan, aqui no sul da Espanha nao eh diferente. A Costa del Sol eh povoada por muitos ingleses, russos, poloneses, holandeses e franceses, que sao geralmente mais frios, nao se permitem abracar o outro que eh diferente. Como cearense, que gosta de tocar no outro enquanto fala, de sorrir gratuitamente no meio da rua, tenho estranhado muito, principalmente quando o outro nao sorri de volta, se afasta na possibilidade do toque. Mas tenho evitado me deixar contaminar por isso. Agora o que mais me assustou aqui foi ver o racismo e a misoginia tao escancarados na boca e nas atitudes dos espanhois. Trabalho em um escritorio com dois espanhois, dois ingleses e um holandes. Afora um dos espanhois, sou a unica com formacao academica, mas quando um novo cliente chega, eh a mim que eh pedido para fazer cafe, trazer mais cadeiras. Neguei todas as vezes e seguirei assim. A luta eh constante minha amiga, sigamos firmes e conscientes do nosso papel no mundo. Adorei seu texto, vou ficar atenta as tuas postagens aqui. Elisa Parente
obs: desculpa a falta de acentos