por:
Hermes de Sousa Veras
Ligeiramente sombrio. No mais, consideravelmente feliz e tropical.
Coluna: Etnoliteratura
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* Esse texto é diferente. Estou dando uma pausa nos contos de Etnoliteratura para fazer alguns comentários sobre o Sindicato dos deuses.
O livro de Paulo Henrique Passos (PHP) pode ser lido de muitas formas. Desde a simples e agradável leitura de quem está procurando apenas um bom livro de contos, até as leituras enrugadas e chatas dos críticos e estudiosos de literatura, perpassando pela leitura feita por aqueles interessados no fenômeno humano e de sua relação com o divino.
Confesso que o li de todas essas formas. A finura da obra, e seus contos curtos a nos vencer por nocaute, pode sugerir ao leitor(a) que tudo está resolvido, que as linhas são aquelas mesmas. Mas terminei o livro com uma sensação de que precisava retornar algumas vezes para alguns contos, sabendo que estavam repletos de ocultismo e metáforas poderosíssimas, claro, para quem estivesse disposto a construí-las. Sim, há muito de construção nesse livro, cabendo a quem o lê a missão de conectá-lo com suas experiências, deleites e preocupações. Não por preguiça, mas por mistério, Paulo Henrique deixa um grande trabalho para o(a) leitor(a), trazendo histórias repletas de pontos finais que não resolvem muita coisa. Daí o encanto dos textos.
O autor foi membro do já finado Grupo Eufonia de Literatura, grupo este que abrigou outros cabeças-chatas, como este autor aqui, e o autor de Meio Humano, Meio Urbano. Essa experiência marcou profundamente sua escrita, mas não vem ao caso aqui apontar isso, apenas destacar esse importante dado. Muitos dos contos do livro foram lidos, antes mesmo de sua publicação, nas rodas do Eufonia, discutidos, interpretados e sodomizados por nós. Muitas vezes deixamos o autor de Sindicato dos Deuses assustado com o que era possível fazer com um texto seu, desenraizado de suas intenções, a literatura, ali no nosso grupo, era pura invenção e futuro.
Ficamos todos felizes, é claro, que Paulo Henrique venceu o medo e acabou por publicar o seu primeiro livro. Do ponto de vista físico é uma obra de contos, abrigando 25 histórias. A editora, é a Substânsia, totalizando em umas 109 páginas. As temáticas abordadas são muitas, mas a vida urbana, as relações familiares e a violência doméstica, as traições, a fé, enfim, a vida humana, é tangenciada pelo autor. Entretanto, a temática da fé, dos deuses, da religião no geral, atravessa todo o livro.
A impressão que fica, como assinalou CA Ribeiro Neto na orelha da obra, é que o livro “traz angústias humanas para personagens divinos”, as personagens humanas possuem centelhas divinas, e as personagens divindades possuem corpo e preocupações humanas. A forma lírica como isso é narrado nos contos, trazendo uma profunda ontologia da relação humano-divindade, torna difícil não fazer nada após a leitura. Podemos extrair diversas interpretações e efeitos dessas constatações divinas do humano, e do humano divino, no livro de PHP. Ele nos mostra que ao fundo, os deuses são humanos não simplesmente porque foram criados por nós, pois o conto de abertura Divino humano acaba com toda a possibilidade de se pensar em uma dicotomia rasa entre Criador/Criatura. Nem muito menos os deuses são humanos porque fomos criados por eles, e como tocados pela centelha divina, não poderíamos ser outra coisa senão uma extensão deles. Não. Percebo que em Sindicato dos Deuses, estes são humanos porque é bom ser um corpo que sente prazer, dor e tudo o mais. Mas eles ainda são deuses, e apresentam poderes maiores do que o nosso.
Digo maiores, mas no livro fica claro que possuímos poderes divinos, mesmo que em menor escala. Mas visto por cima, talvez do ponto de vista de deus, é um poder de igual poder. O conto PromtEU traz algumas sugestões para esse tipo de relação.
De qualquer forma, nem tudo são divagações metafísicas. Há contos mais pés no chão, como Évila, Nêgo Princesa e A paixão do homem. Évila é uns dos melhores da obra, e deixarei que o(a) leitor(a) conclua por conta própria. Nêgo Princesa faz realçar determinada verve de Rubem Fonseca e/ou Dalton Trevisan do autor. Agora, Menino vou morrer, exala uma certa síntese entre a crueldade do mundo empírico, com o lirismo da poesia e das coisas intangíveis, como a própria sensação da morte. Não gosto de ficar buscando outros autores para explicar um, mas fica aí uma sugestão: os contos aqui, são metafísicos e empíricos, religiosos e antirreligiosos.
Uma última palavrinha sobre o divino, coisa que surge no livro todo, como se já percebe pelo título. Quem ler esse livro como se estivesse encontrando “profanações, simplesmente” pode se estripar. Seria uma leitura muito pobre, pois embora o autor tenha profundas críticas ao mundo das religiões – sobretudo as cristãs – encontra-se, em quase todos os contos, um ouvido musical para com o religioso e as coisas da fé. Não é apenas profanação, é uma criticidade que permite a proliferação de mensagens sobre a humanidade do mundo religioso. Apesar de encontrarmos um sentimento de que fosse realmente melhor um mundo sem o “Deus” (na verdade, sem as religiões Instituição), sobrando apenas os “Eus”, o livro trabalha com a constatação empírica de que, embora se arranque de vez em quando o D do Eus, eles têm certa tendência magnetizadora, eles se juntam logo, nem que por um intervalo de tempo de mil anos. O que é, para os deuses e deusas, um intervalo muito curto.
Mais sobre o livro, aqui.
3 comentários:
Fiquei com vontade de ler.
Fiquei com vontade de ler.
Olá Sandra, tudo bem? Fico feliz, esse é o objetivo da crítica também.
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